Daniela Vicente 21/01/2023
Um livro revolucionário
Virginia Woolf traz nesse livro reflexões extremamente atuais, ela versa sobre a pobreza feminina, sobre a falta de oportunidades para as mulheres, sendo esta a razão pela qual as mulheres à época não falavam sobre ciência, filosofia, antropologia e, por consequência, também não escreviam sobre isso. Diz ainda que, quando os homens estavam ocupados conquistando o mundo (inclusive invadindo as terras de outros povos), viajando, escrevendo e vivendo, as mulheres estavam ocupadas criando seres humanos. Caso fossem do sexo feminino: estariam relegadas a viveram uma vida igual de suas mães, passando batido pela vida. Já se fossem do sexo masculino: estariam livres para ter confiança e seguir uma vida farta e memorável.
Assim, Virginia diz que não é culpa das mulheres se elas não conseguem escrever, afinal de contas, para que uma mulher possa escrever faz-se necessário dinheiro e um teto todo seu, realidade distante da grande maioria. As mulheres mal podiam ter seu próprio dinheiro, que deveria ser entregue/administrado por uma figura masculina e ainda deviam dividir seu espaço com toda a família, sem ter tempo para si mesma.
Assim, a autora também perpassa por diversas figuras masculinas que diziam absurdos, afirmando a inferioridade feminina. Um deles disse que até mesmo o mais burro dos homens é superior intelectualmente à mulher mais inteligente. Acredito que qualquer pessoa que tenha o mínimo de contato com outras pessoas é capaz de atestar como essa afirmação é irracional.
Um dos motivos que a autora aponta para a existência desse tipo de pensamento é que a maneira mais fácil de se adquirir autoconfiança é considerar que os outros são inferiores. Assim, seria fácil considerar que metade da população é inerentemente inferior.
"Não preciso odiar homem nenhum; eles não podem me fazer mal. Não preciso bajular homem nenhum; eles não têm nada para me dar."
"Fazer fortuna e criar treze filhos - ser humano algum seria capaz disso"
"De fato se a mulher não existisse a não ser na ficção escrita por homens, era de se imaginar que ela fosse uma pessoa da maior importância; muito variada; heroica e cruel, esplêndida e sórdida; infinitamente bela e horrenda ao extremo; tão grandiosa como um homem, para alguns até mais grandiosa. Mas isso é a mulher na ficção. Na vida real ela era trancada, espancada e jogada de um lado para outro"
Uma das partes mais interessantes do livro diz respeito ao momento em que a autora imagina uma irmã de Shakespeare, talentosa, aventureira, imaginativa, mas relegada a ficar trancafiada em casa, sem a oportunidade de ir para uma escola. Às vezes lia um livro do irmão escondido, mas logo devia ir fazer a comida. As páginas que rabiscava, ela escondia ou queimava. Ao ser obrigada a se casar com um homem que não queria e dizer que achava o casamento odioso, foi espancada pelo pai. Ao fugir de casa, tentou atuar, mas recebeu apenas risos e escárnio, já que nenhuma mulher poderia ser atriz. Acabou ficando grávida de um ator-diretor que a achou parecida com o gênio Shakespeare. A mulher se matou numa noite de inverno.
A autora chega à conclusão de que qualquer mulher com o talento de Shakespeare no séc. XVI teria enlouquecido, atirado em si mesma ou terminado seus dias em um chalé nos arredores da vila, meio bruxa, meio feiticeira, temida e escarnecida.
Reflete ainda que há uma indiferença notória do mundo para com os escritores: ninguém pede às pessoas que escrevam poemas, romances histórias. O mundo não precisa disso. Ninguém se importa se o escritor encontra a palavra certa ou não. Há uma grande desencorajamento à escrita. Já para a mulher, há ainda mais dificuldades além dessa. No caso das mulheres, não há apenas indiferença, mas hostilidade.
"O mundo não dizia a ela, como dizia a eles: "Escreva se quiser, não faz diferença para mim". O mundo dizia, gargalhando: "Escrever? O que há de bom na sua escrita?"
"A história da oposição dos homens à emancipação das mulheres é talvez mais interessante do que a própria história da emancipação"
"As mulheres vivem como morcegos ou corujas, trabalham como bestas e morrem como vermes"
"Precisamos aceitar o fato de que todos aqueles bons romances, Vilette, Emma, O Morro dos Ventos Uivantes, Middlemarch, foram escritos por mulheres com a experiência de vida que era permitida dentro da casa de um clérigo respeitável e por mulheres tão pobres que não tinham condições de comprar mais que alguns cadernos de papel almaço por vez para escrever O Morro dos Ventos Uivantes ou Jane Eyre"
"Ao mesmo tempo, do outro lado da Europa havia um homem vivendo livremente; colhendo sem impedimentos ou censuras, toda a vasta experiência da vida humana, que, mais tarde, lhe serviria de forma esplêndida quando escrevesse seus livros"
"Ainda assim, são os valores masculinos que prevalecem. Falando friamente, futebol e esportes são "importantes"; a adoração da moda, a compra de roupas, "trivial"."
"A educação não deveria aflorar e fortalecer as diferenças em vez das similaridades?"
"E há também a moça atrás do balcão - eu preferiria sua história real à centésima quinquagésima vida de Napoleão"
"É fatal para uma mulher defender mesmo que com justiça a causa que for e falar conscientemente como mulher em qualquer situação"
"Agora o escritor, penso eu, tem chance de viver mais do que as outras pessoas na presença dessa realidade"
"Então me jogo no meu grande lago de melancolia. Senhor, como ele é profundo! Que melancólica nata eu sou!"
Após versar sobre rivalidade feminina, homossexualidade e o trabalho feminino, a história da irmã de Shakespeare é retomada e Virginia Woolf diz que ela ainda está viva em todas as mulheres, inclusive naquelas que estão lavando a louça ou colocando os filhos para dormir. Que os grandes poetas nunca morrem, mas precisam apenas de uma oportunidade para andar entre nós em carne e osso. E é disso que as mulheres precisam, apenas de uma oportunidade.