Vaan. 07/06/2020
Sobre o que a ciência não consegue/conseguia explicar sobre a mente
O livro nasce da explicação de como toda a história da neurologia e ciências correlatas centram sua atenção no hemisfério esquerdo do nosso cérebro, deixando de lado a importância do lado direito. Como descrito no livro, o lado direito "controla as capacidades essenciais de reconhecer a realidade que toda criatura vida precisa possuir para sobreviver". Digamos que o lado direito armazena nossa capacidade: 1-"associativa pessoal", de criar imagens (ex: saber que seu pai é seu pai, quais os traços físicos e qual sua personalidade), 2- propriocepção (ex: intuir/saber que seu braço é seu/é você.), 3- ação, arte, brincadeira, etc.
O autor escreve bem e simplifica a tarefa do leigo em entender a complexidade dos acontecimentos e relatos. Destaca, ainda, a falta de empatia e compreensão do poder da arte e natureza nos tratamentos:
"Nossos testes, nossas técnicas, pensei, enquanto a observava sentada no banco - apreciando uma visão da natureza não apenas simples, mas sagrada - nossas técnicas, nossas "avaliações" são ridiculamente inadequadas. Só nos mostram déficits, não capacidades; mostram apenas problemas para resolver e esquemas, quando precisamos ver música, narrativa, brincadeira, um ser conduzindo-se espontaneamente em seu próprio modo natural".
Achei interessante o fato de na maioria dos casos os pacientes desejarem continuar com seus "déficits" ao invés de "curá-los" (há uma questão de perspectiva aqui, você entenderá ao ler a obra). Visto que nunca teriam uma vida "normal" aprenderam a viver do seu modo, desejando preservar sua natureza ao ter que cessar suas capacidades (aquelas que foram "amplificadas").
A exemplo do "personagem" Witty ticcy Ray (24 anos), que tendo a síndrome de Tourette (excesso de dopamina, entre outros fatores, - "sensação de prazer, alegria, energia") apresentava "um excesso de energia nervosa e uma grande produção e extravagância de movimentos e ideias estranhas: tiques, contrações, caretas, ruídos, imitações involuntárias, palhaças e brincadeiras bizarras..." (...me lembrou um pouco o Coringa) e pelo mesmo motivo "ele era extremamente musical, e não poderia ter sobrevivido - emocional ou economicamente - se não fosse baterista de jazz nos fins de semana, de genuíno talento, famoso por suas súbitas e arrebatadas improvisações, que eram provocadas por um tique ou uma batida compulsiva num dos tambores e se transformavam instantaneamente no núcleo de uma ardorosa e maravilhosa improvisação, de modo que a "intromissão repentina" tornava-se uma brilhante vantagem. Seus sintomas de síndrome também eram vantajosos em vários jogos, em especial pingue-pongue, no qual ele era insuperável, em parte graças à sua rapidez anormal de reflexos e reação, mas especialmente, outra vez, devido às "improvisações", "lances súbitos, nervosos, doidos" (em suas próprias palavras), que eram tão inesperados e espantosos que não podiam ser rebatidos.".
A cura através do Hardol tornava-o musicalmente "apagado": medíocre, competente, mas sem energia, entusiasmo, exuberância e alegria. Não havia mais os tiques ou toques compulsivos nos tambores - mas ele já não tinha seus arroubos desvairados e criativos.
Sendo assim, Ray decidiu-se que tomaria a medicação "conscientemente" nos dias uteis, mas se livraria dele para poder "disparar" nos finais de semana. Assim, hoje em dia existem dois Rays: o com e o sem Haldol. Existe o cidadão comedido, ponderado e sereno, de segunda a sexta, e existe o "witty ticcy Ray", inconsequente, frenético, inspirado, nos finais de semana. Ele alcançou o que Nietzsche gostava de denominar "A Grande Saúde" - um raro humor, bravura e resiliência de espírito: apesar de ele ter, ou porque tem, a síndrome de Tourette.