Sario Ferreira 12/12/2017Sobre a obra: uma invenção genial!Confesso que meu primeiro contato com esse título esdrúxulo e detalhista fez com que eu jamais imaginasse tamanha riqueza por trás do livro de Enéias Tavares; só depois, lendo o livro, foi que percebi que o título era esdrúxulo e detalhista como o próprio Dr. Louison é.
O ritmo inicial é vagaroso, como o decolar de um dirigível, mas logo que o jornalista Isaías Caminha começa a ficar desconcertado com a misteriosa figura do serial killer Dr. Louison, o acompanhamos neste rumo. A trama se passa em Porto Alegre (dos Amantes), em um Brasil fictício do início do século XX, em que a tecnologia à vapor, robôs e mecanismos dominam os grandes centros urbanos.
A história é contada de uma forma que me lembrou muito o Drácula de Bram Stoker: uma coleção de cartas, "noitários", documentos e gravações de personagens diversos. Todos estes são ligados ao caso de um respeitável doutor e artista, que, apesar de ser uma figura ilustre e respeitável em todas as camadas da sociedade, é o culpado assumido de uma série de assassinatos viscerais; assim, todo o enredo se desvela, pouco a pouco dissolvendo as nebulosidades que recobrem a identidade de Louison.
Os personagens são muito marcantes e sofrem grande evolução, já que a história se utiliza de narrativas em primeira pessoa, mas o mais interessante é que o autor introduz seus próprios personagens e resgata personagens da literatura clássica brasileira, a saber: o imortal Solfieri (Noites na Taverna, de Álvares de Azevedo), a feiticeira indígena Vitória (Contos Amazônicos, Inglês de Souza), Sérgio e Bento (os estudantes de O Ateneu, Raul Pompeia), Simão Bacamarte (O Alienista de Machado de Assis), entre outros. Mais que resgatar tais figuras, Enéias teve a perícia literária de mimetizar o estilo e a caracterização dos autores criadores desses.
O estilo de linguagem varia bastante, de acordo com o personagem-narrador, indo das verborragias pomposas de Isaias Caminha e do Doutor Louison ao linguajar coloquial de Rita Baiana e do detetive Pedro Britto Cândido; entretanto, há uma constância poética muito agradável que permeia todo seu conteúdo.
Tudo isso não se atribui apenas a mera contação de história; a narrativa traz muitas contemplações, como discussões sobre a superimportância da estética na sociedade e os limites da moralidade. Não é um livro para ser lido com pressa.
A obra de Enéias Tavares é riquíssima e um verdadeiro tesouro de nossa literatura de ficção contemporânea, ideal e necessária para trazer de volta algum teor mais reflexivo ao nosso cenário de fantasia nacional. Para quê mais serve o fantástico senão refletirmos sobre a condição humana sob o abrigo de uma bela máscara?
Adiciono que os amantes de audiobook devem muito procurar pela versão do livro disponível na plataforma U-Book; a sonoplastia, leitura e trilha sonora são primorosas.
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