Jordana Martins(Jô) 23/08/2015Nem todo dom é uma bençãoNum futuro distópico e pós apocalíptico, onde a maioria da humanidade foi exterminada por conta de um fungo, sim não um vírus, mas um fungo, ou melhor, uma versão mutante o Ophiocordyceps unilateralis (Só consigo ler pausadamente esse nome e acho que ainda faço errado). Esse fungo realmente existe, mas no nosso tempo ele só ataca a uma espécie de formiga. Torço para que assim permaneça. Esse fungo encontrou na raça humana o seu hospedeiro perfeito e final. O fungo afeta o sistema neural do hospedeiro fazendo com que o mesmo seja controlado por uma versão genérica e comandado pelo fungo. O que acaba transformando o hospedeiro em uma espécie de zumbi. O hospedeiro então começa a devorar a sua própria espécie, pois o fungo precisa de proteína. No livro essas criaturas são denominadas Famintos. Com isso a humanidade foi praticamente devastada. Ou foram devorados ou parcialmente devorados e transformados em famintos.
“O resto da carne da parte superior do corpo foi devorada,a cabeça praticamente despregada por uma mordida imensa que a arrancou do pescoço. Nas profundezas daquela ferida seca e antiga,apareciam nacos de ossos e cartilagem.”
Obviamente o governo não conseguiu fazer muita coisa pra impedir a epidemia. A história se passa na Inglaterra futurista vinte anos após o surto. Os humanos remanescentes vivem na cidade de Beacon ou são lixeiros (são aqueles que preferiram continuar vivendo nas cidades sem a proteção do governo “ditos selvagens”), mas a história do livro não se passa lá e sim em uma base de operações militar que fica bem distante de Beacon e que mais parece uma prisão. E é lá que vive Melanie a nossa protagonista. Além dela tem mais umas vinte crianças como ela. Melanie tem entre dez a doze anos e é uma criança com QI muito alto, sendo considerada um gênio. Ela e essas outras crianças vivem na base como cobaias, pois foram infectadas por este fungo, mas não foram transformados como os outros que só possuem duas funções: correr e comer. Elas pensam e agem como crianças humanas normais, capazes de aprender e adquirir sentimentos. Só que se elas sentirem o cheiro delicioso que nosso sistema endócrino produz elas sentem A fome. Se isso acontecer já era ela te come até os ossos. É assim que funciona.
Cada criança vive em uma cela, de onde só sai presa em uma cadeira de rodas com as mãos, pés e pescoço atados. Melanie às vezes até brinca que não morde. O que dá a entender que ela se vê como uma criança normal.
“Ela não entende por que eles não gostam dela e brinca que não vai mordê-los. Mas eles não acham engraçado. Querem apenas continuar vivos.”
Ela e as outras crianças vão presas assim para a “Sala de Aula”, sim eles vão aprender na sala de aula com a professora mais amada deles a Srta Justineau, além dela há outros. Da sala de aula os outros lugares são o lugar onde comem sua tigela nutritiva de larvas e o banheiro onde tomam uma chuveirada meio sinistra isso ocorre aos domingos, aos sábados eles passam o dia presos em suas celas ouvindo música pelo sistema de som. Tudo isso controlado a mãos de ferro pelo sargento Parks. Que comanda a base sempre apontando uma arma na cabeça das crianças. Eu faria o mesmo no lugar dele. E não podemos deixar de falar da Dra. Caldwell ela é quase que a bruxa má do oeste ou qualquer bruxa que exista nos contos de fadas. Ela é a cientista designada para a base. Praticamente a última opção, pois os outros estão mortos. Mais as crianças em si não sabem bem o que são.
Melanie é feliz por morar na base, pois para ela está segura e livre dos famintos, e ela sonha em ir para Beacon um dia.
Melanie fica feliz por viver no bloco, atrás da porta de aço grande, onde está a salvo”
Melanie passa tempo as escuras para descobrir o que realmente é. Até que ela quase ataca a sua querida Srta J. Ela nos passa a sensação que é e não é agradável a ela. E de como é depois de sua primeira experiência com a fome. Quando ela se dá conta de que ela não se pode ser considerada uma criança normal, foi como se tivesse levado uma tapa na cara.
“Se ao menos ela não tivesse lembrança daquela fome terrível, surgindo de dentro dela. O prazer apavorante do sangue e da carne em sua boca.”
A Dra Caldwell trabalha arduamente para conseguir uma cura para este patógeno e por isso estuda o comportamento do fungo nessas crianças nada normais. O problema é quando temos um ataque na base e todos tem que fugir de lá. Neste ínterim temos os personagens sobreviventes do ataque Melanie, a Srta. Justineau, sargento Parks, Dra Caldwell e o soldado Gallagher. A história toda é contada em terceira pessoa e vemos o ponto de vista de cada um. Assim entramos na história definitivamente. E nós aprendemos a amar e odiar os personagens, pois conhecemos os seus pontos de vista.
Melanie parece mais uma criança carente e não tem como não amá-la, ela precisa de amor e ela tem esse amor incondicional voltado para a Srta J, que também a ama como uma mãe ama um filho. Parks pode até parecer um vilão, mas quando você passa a ver o lado dele em sua narrativa, não tem como não simpatizar com ele. Kieran Gallagher é só um rapaz que se tornou soldado pra fugir da terrível vida que tinha em casa e a Dra Caldwell só quer fazer o seu trabalho (o que a torna uma pessoa sem escrúpulos e cruel, não justifica se é para um bem maior ou não).
No livro inteiro não temos um definição completa de Beacon e nem de como ou quantos sobreviventes vivem por lá, mas sabemos que tem uma colônia dessas em cada continente ou pais que ainda lutam pela sobrevivência. É notório o quanto o autor pesquisou e estudou biologia para escrever o livro, pois ele explica tudo sobre como o fungo age dentro do corpo do hospedeiro. O que é uma verdadeira aula, ele não deixa faltar em nada nesse aspecto. Ele também não deixa faltar nas partes dos ataques dos famintos. Cheguei até a sentir as mordidas de tão detalhadas que são.
Porém o livro retrata só o fim do mundo, a sua mensagem é bem mais forte do que só isso. Ele fala de amor. Como o amor pode nos fazer mudar a nossa natureza ou pelo menos tentar mudá-la. A meu ver esse é o maior dom de Melanie,que mais parece uma adulta presa num corpo de uma criança. Vemos como e onde a humanidade parou. Como as decisões equivocadas transformam as vidas das pessoas. Temos a luta pela sobrevivência arduamente vivida pelos personagens e o desfecho nada esperado. O fim me fez ter pesadelos ou sonhos, não só ele, mas o livro inteiro. O autor conseguiu me surpreender do inicio ao fim. Humanizou bem os personagens, o que me fez muitas vezes pensar pelo ponto de vista deles e até concordar muitas vezes com a bruxa Caldwell, (alguém pode gostar dela, mas esse alguém não sou eu), mesmo que às vezes eu a entenda. Os famintos me fizeram sentir enjoos (tenho um estômago meio fraco pra zumbis e a mente também), me senti mordida e devorada em certos pontos. Leitura recomendadíssima e totalmente original e comovente.