Mia Fernandes 03/05/2020
Apenas um dia fala de identidade, de se levar por impulsos, ou pelos acasos ou destinos da vida
“Aplaudo para poder me agarrar a esse sentimento. Aplaudo porque sei o que acontecerá quando eu parar. A mesma coisa que acontece quando termina um filme muito bom, no qual tenha me perdido: serei jogada de volta à minha própria realidade, e algo sombrio nascerá em meu peito. Às vezes assisto a um filme várias vezes só para recapturar aquele sentimento de estar dentro de algo real.”
Esta autora tem um dom natural de criar histórias tão profundas, com personagens tão simples e ao mesmo tempo tão complexos. Você cria um laço com os personagens de tal maneira que mesmo terminando o livro é como se ainda estivesse respirando o mesmo ar dos protagonistas, andando por aquele cenário tão ricamente descrito.
“É como se meus ouvidos tivessem sintonizados com a língua esquisita e eu tivesse sido absorvida totalmente pela história, do mesmo modo como quando vejo um filme e consigo senti-lo.”
Nunca li nenhuma obra de Shakspeare, mas já vi alguns de seus filmes. Mas mesmo se nunca tivesse tido nenhum contato, a autora conseguiu incorporar todos os elementos de maneira bem harmônica e fazendo bastante sentido.
“Isso é absoluta loucura. Nem o conheço. Eu poderia ser pega. E quanto de Paris se pode ver em apenas um dia? Poderia sair desastrosamente errado de tantas maneiras. Tudo verdade. Mas nada muda o fato de eu querer ir. Desta vez, tento algo diferente. Digo sim.”
Allyson tem toda a sua vida organizada, todo seu futuro já está bem planejado pelos seus pais. Nunca se permitiu uma aventura, andar fora da linha. E sua vida teria sido assim, monótona. Se não tivesse ido aquela peça de teatro, Noite de Reis. O seu primeiro impulso levou a protagonista a viver momentos que nunca poderia ter sido imaginado ou cronometrado. Surge uma oportunidade de viver por 24 horas uma vida diferente, com uma personalidade diferente.
“Quando disse que seria sua garota da montanha, sabia que não iria vê-lo de novo. Aquela não era a questão. Queria que ele soubesse que, quando se sentisse sozinho no mundo, eu também estaria lá.”
Willen é um cara difícil de descrever e definir. Uma hora ele está aqui, na outra quem sabe. Ele é movido pelos seus impulsos e foi num desses que ele encontrou Allyson e a propôs conhecer Paris por um dia. Paris pelos olhos de um mochileiro que vai te levar para uma Paris particular, e não aquela de pontos turísticos chatos e museus intermináveis.
“Acho que tudo está acontecendo o tempo todo, mas, se você não se coloca no caminho, acaba perdendo. Quando viaja, você se coloca lá. Nem sempre é bom. Às vezes é terrível. Mas outras... – Ele ergue os ombros e aponta para Paris, depois olha de esguelha para mim. – Não é tão ruim assim.”
Eles vivem aquele dia de maneira intensa. Allyson com sua nova personalidade, Lulu, descobrindo um mundo diferente e agindo de maneira bem oposta da sua usual. Porém, por mais que eles tenham se entendido e rolando uma sintonia, o dia acaba e simplesmente o cara some! Allyson não sabe nada sobre ele, e muito menos o seu sobrenome. O mesmo para Willen. A realidade volta com força total e todo o encantamento de Paris vira um verdadeiro inferno para Allyson. Como retornar a velha Allyson, depois daquele dia?
“Naquele dia, eu realmente me transformei em Lulu. Talvez não a Lulu do filme ou a verdadeira Louise Brooks, mas minha própria ideia do que Lulu representava. Liberdade. Ousadia. Aventura. Dizer sim. Percebo que não estou só em busca de Willem; também estou procurando Lulu.”
Apenas um dia fala de identidade, de se levar por impulsos, ou pelos acasos ou destinos da vida. Foram poucas horas que desdobraram numa total metamorfose da protagonista que passa por todos os estágios de depressão ao reconhecimento da sua verdadeira personalidade. Fez ela sair da sua zona de conforto. A questão principal do livro não é saber se ela vai atrás de Willen, se ela vai finalmente procurar por ele e encontrá-lo. Mas sim, ver a protagonista assumir a sua vida, aceitar que precisa se perder e chegar ao fundo do poço para poder enxergar a luz, para se reinventar e encontrar aquilo que inconscientemente estava procurando.
“Mas estou começando a me pergunta outra coisa. Se talvez a razão de toda essa busca maluca na qual estou envolvida não fosse me ajudar a encontrar Willem. Talvez fosse me ajudar a encontrar alguém totalmente diferente?”
XOXO
Mia Fernandes.