Steph.Mostav 14/07/2020O contato do humano com o fantásticoLivro de junho do clube, uma história escrita há mais de 50 anos. No caso, duas histórias com mais de 260 anos, as chamadas versão clássica e versão original de A bela e a fera. Como contos de fadas, mais importante que a história de amor é a mensagem moralizante e educativa para o público infantil e jovem. É interessante notar inclusive que as histórias divergem porque não passam exatamente a mesma mensagem e, mesmo baseadas na mesma tradição popular, foram apropriadas com intuitos diferentes. Essa tradição popular vem tanto das histórias de noivos animalescos, como Cupido e Psiquê quanto do caso real de um casamento entre um homem com hipertricose (cruelmente chamada de "síndrome do lobisomem") e a mais bela moça da corte. Há também referências à uma das peças de Shakespeare, Rei Lear, já que é a escolha modesta da filha mais virtuosa que leva aos infortúnios pelos quais passa o pai. Em ambas as versões, existe o contato da humanidade generosa de Bela com a dimensão fantástica e monstruosa da Fera, e esse contato pode ser interpretado de várias maneiras: para alguns, é a própria Bela que enxerga como monstruoso seu desejo por um homem, devido à sua castidade; para outros, a Fera se humaniza através do olhar de Bela, a única que viu o "monstro" como um ser humano dotado de bons sentimentos, e a Bela vence sua repulsa ao grotesco exterior para dar valor às virtudes do interior. A versão de Madame de Beaumont é a mais popular e mais sucinta, mas também a mais superficial e obviamente didática. Além disso, todos os personagens são muito mais unidimensionais, restritos à bondade absoluta ou à falta de caráter repugnante. No entanto, é compreensível o motivo pelo qual essa versão da história tenha se difundido mais, já que o romance entre os protagonistas é conduzido de maneira mais meiga. Já a novela ou romance de Madame de Villeneuve, que veio anteriormente, amplia muito mais o aspecto fantasioso no enredo, dando mais espaço para que as decisões tomadas pelas fadas afetem toda a história (desde o romance entre os dois até o passado, tanto da Bela quanto da Fera). Os personagens também são dotados de mais falhas, ainda que não deixem de ser bondosos. É muito mais impactante o horror e o medo que Bela sente no início pela Fera, assim como é mais longo o processo até que aceite se casar com ela. Além disso, a maldição é muito mais cruel: a Fera não foi só transformada fisicamente, como é impedida de transmitir carisma ou declarar sua inteligência. O príncipe na forma de Fera só consegue se exprimir em frases curtas e muito, muito simples, dificultando ainda mais a tarefa de conquistar a mocinha. Foi minha versão preferida e, mais do que a história, me interessa pelo contexto e pelas referências à tradição popular e literária.