@fabio_entre.livros 04/03/2018
A perfect LIFE is a perfect LIE
Quem me conhece sabe que eu leio devagar; gosto de absorver as palavras e fazer pausas estratégicas durante a leitura, a fim de refletir sobre o quão plausível e verossímil é o texto. Entretanto, eventualmente algumas leituras conseguem me prender de forma tão magnética que me permito o luxo de avançar nas páginas como se não houvesse amanhã. Dito isso, posso afirmar que "Pequenas grandes mentiras" é um desses livros de leitura deliciosamente fluída, mas que pede reflexão (não por ser um daqueles romances pretensiosos, cheios de floreios linguísticos, bajulados por gente que se acha cult); a narrativa de Liane Moriarty é ágil e hipnótica, permeada de humor, mas aborda temáticas espinhosas que fazem parte do cotidiano de inúmeras famílias: violência doméstica, abuso sexual, bullying, casamentos de fachada, relações familiares frustradas, falta de diálogo entre pais e filhos.
Como se percebe, tais temas dialogam diretamente com o universo feminino e, não por acaso, Moriarty constrói sua trama em torno de três mulheres unidas por uma amizade inusitada, mas absolutamente distintas entre si: Madeline, Celeste e Jane.
Madeline, temperamental, notavelmente fútil e sempre pronta para perder as estribeiras, convive com os dramas de seu segundo casamento, mais estável que o primeiro, mas tem de lidar com dois filhos pequenos no jardim de infância e a relação difícil com a filha adolescente (fruto do primeiro casamento), que prefere a companhia do pai biológico e da nova esposa dele. Celeste aparentemente tem uma vida de causar inveja a todos que a conhecem: é naturalmente linda, magra, rica e tem um marido que parece saído de conto de fadas; em resumo, uma vida perfeita. Por fim, há Jane, uma jovem mãe na casa dos vinte anos, que acaba de se mudar para a cidade de Pirriwee (cenário da trama), com seu pequeno filho de cinco anos, fruto de uma noite traumática.
À primeira vista, nada há em comum entre essas mulheres; o vínculo começa com o fato de que os filhos de todas elas começam a estudar na mesma escola. A escola, por sua vez, é o cenário central para os dois eventos cruciais do livro: as acusações de bullying sofridas por Ziggy (filho de Jane) e o assassinato (ou acidente?) que ocorre durante uma reunião temática de pais.
O que mais chama a atenção é a habilidade da autora em conciliar um suspense intrincado em torno da morte ocorrida nesse evento (à maneira de Gillian Flynn, com vários pontos de vista diferentes e contraditórios, que se alternam até a revelação final) com uma observação perspicaz e sarcástica sobre o pretenso perfeccionismo das relações sociais e familiares, como Tom Perrotta faz brilhantemente em "Criancinhas".
Este é meu primeiro contato com a autora, e a impressão deixada não poderia ser melhor. Mesmo já conhecendo a excelente série da HBO baseada no livro, isso não diminuiu a fascinação e o prazer que esta leitura proporcionou. No fim, fica aquela sensação recompensadora de ter lido uma obra popular cujo fato de ser um típico best-seller não significa ser puramente ficção comercial. Os temas abordados são realidades do mundo contemporâneo que necessitam de atenção e a forma plausível como a autora desnuda as mentiras e as verdades ocultas nas vidas dos personagens comprova que o slogan da série é absolutamente pertinente: "a vida perfeita é uma mentira perfeita".