spoiler visualizarFelippe.Paiiva 07/10/2017
Simplesmente um dos melhores que li na vida.
“Rotfeld, nervoso, limpou a garganta. ‘Eu quero que você me faça um golem que possa se passar por humano’, disse. ‘E quero que seja uma fêmea.’
O pedido quebrou o silêncio do velho. Ele riu, uma espécie de tosse barulhenta. ‘Rapaz’, ele disse, ‘você sabe o que é um golem?’
‘Uma pessoa feita de barro’, disse Rotfeld, hesitante.
‘Errado. É uma besta de carga. Um escravo corpulento e irracional. Golens são feitos para a proteção e a força bruta, não para os prazeres da cama’
...’Dê-lhe curiosidade’, disse a Schaalman. ‘E inteligência. Não suporto mulheres tolas. Ah’, acrescentou, a inspiração despertando seu interesse para a tarefa, ‘e faça-a respeitável. Não... lasciva. Mas a esposa de um cavalheiro.’...”
Otto Rotfeld é um jovem judeu que era arrogante e estranho, por isso nunca conseguiu casar, mas ele teve uma idéia, fazer um Golem feminino para lhe ser servir de esposa e para isso vai a um estranho rabino, ele consegue sua Golem, Chava, mas na viajem para os EUA ele morre de apêndice e deixa a pobre criatura sozinha.
Porém chegando a NY ela conhece um velho rabino que sabe o que ela é, e a acolhe, mas ele guarda um terrível motivo por ter acolhido à.
"...’Se eu vou apresentá-la ao meu sobrinho, preciso dizer a ele o seu nome.’
Ela franziu a testa: “Eu não tenho um nome’.
‘Exato. Já passou da hora de lhe dar um. Você gostaria de escolher um nome para você?’
Ela refletiu por um instante: ‘Não’.
O rabi ficou surpreso: ‘Mas você precisa de um nome!’.
’Eu sei.’ Ela sorriu. ‘Mas prefiro que o senhor escolha um para mim.’
O rabi quis argumentar: ele esperava que o ato de escolher um nome a ajudaria a conquistar sua independência. Mas então ele se censurou. Sob diversos aspectos, ela ainda era como uma criança, e ninguém espera que uma criança escolha o próprio nome. Essa honra cabia aos pais. Nesse caso, ela compreendera o espírito da coisa melhor que ele.
‘Muito bem’, ele disse. ‘Sempre gostei do nome Chava para uma menina. Era o nome da minha avó, e eu gostava muito dela.’
‘Chava’, disse a Golem. O CH fazia um som suave e ondulante no fundo da garganta, o Ava era como um suspiro falado. Ela o repetiu baixinho, experimentando-o, enquanto o rabi a observava, divertindo-se.
‘Você gosta?’, ele perguntou.
‘Sim’, ela respondeu, e era verdade..."
Depois de um tempo, o rabi tem a idéia da Golem, Chava começar a trabalhar na padaria de um amigo dele, e isso é o que acontece, porém, ela tem que ter cuidado, pois além dela ser um ser místico, ela consegue ouvir os desejos dos outros e tem que se controlar para não os ajudarem, isso ocorre, pois mesmo com a morte de Otto, o motivo de um Golem existir, ainda permanece, e esse motivo, é servir os outros, concretizando todos os desejos dessa pessoa, e por isso Chava passa a ‘procurar’ sem querer um novo dono.
Ela, não consegue dormir, e por isso começa a pegar serviços para arrumar roupas e tals, assim, ela passa seu tempo a noite, fazendo algo produtivo.
Ahmad, é um gênio, ou djim, ele foi preso há muitos anos por um feiticeiro em uma garrafa, está garrafa para em NY após viajar com uma moça, pois sua mãe lhe deu a garrafa de lembrança, ela é muito velha e por isso a moça queria concertar ela, mas ao ser concertada, ele é solto sem querer.
Ele se torna aprendiz do senhor que o soltou, que é um ferreiro.
E assim ela começa a trabalha e ganhar dinheiro (muito dinheiro, pois seu trabalho além de ser rápido é muito bom).
Mas ele, como a Golem, também não consegue dormir, e por isso começa a sair por NY, conhecendo a cidade na madrugada. "Em uma ilha não muito distante, destacava-se uma enorme estátua de mulher, feita do que parecia um metal esverdeado. A escala da estátua era surpreendente. Quantas rochas não deveriam ter sido derretidas, quantos veios metálicos foram escalados para criá-la? E como era possível que não partisse aquele fino disco de terra, afundando nas águas? - Djim"
Esses dois são o completo oposto um do outro, ela é nova, acabou de 'nascer' e ainda está na flor da juventude, ele vive há séculos e tem o calor de uma vida bem vivida, mas mesmo assim eles têm algo em comum, são novos neste bravo mundo novo, fora que ele viveu muito tempo dentro de uma garrafa e não sabe muita coisa desse novo mundo.
Numa noite fria, depois de um acidente com um conhecido de Chava, esses dois enfim se esbarram, e mesmo com as diferenças se tornam grandes amigos, e se divertem conhecendo a vida noturna de NY, mas um acidente (nada terrível) acontece numa noite e infelizmente esses dois se separam.“...
‘Parece que não conseguimos conversar sem brigar.’ As palavras dela se aproximavam desconfortavelmente do curso de seus pensamentos; ele considerou se, às vezes, seria realmente tão opaco quanto ela dizia. ‘É estranho que possamos ser amigos. Espero que você me considere uma amiga, não um fardo. Não quero que esses passeios lhe causem apreensão.’ Ela lhe lançou um rápido olhar, como se estivesse envergonhada. “É estranho não saber. Se fosse outra pessoa, eu não teria coragem de perguntar.’
Ele demorou um pouco para responder, e foi um desafio fazê-lo com a mesma franqueza dela. ‘Eu aguardo ansiosamente pelos nossos passeios. Acho que fico ansioso até pelas discussões. Você entende como é a minha vida, mesmo quando discordamos. Arbeely se esforça, mas não consegue ver as coisas do mesmo jeito que você.’ Ele sorriu. “Então, sim, eu a considero uma amiga. E sentiria falta disso se parássemos de nos ver.” Ela devolveu o sorriso, parecendo um pouco triste. ‘Eu também.’
...”
Mas será que esses dois vão voltar a serem amigos? O que irá acontecer com eles? Para descobrirem, terão que ler essa incrível história.
Acompanhamos também outros personagens, como Arbeerly, o cara que acolheu o djim e que vira seu amigo, Michael, sobrinho do rabi que ajuda Chava, Sophia, uma moça rica que conhece o djim no Central Park, o feiticeiro que a criou (que está em busca da vida eterna), entre outros personagens que tem suas vidas entrelaçadas mesmo sem saberem um do outro.
Enquanto isso desvendamos o passado do Djim, sabemos que ele é fascinado pelos humanos e por isso observava muitas caravanas, sabemos que ele criou um palácio magnífico no meio do deserto e que uma humana, Fadwa o viu e por isso, o djim a visita nos sonhos.‘Claro que temos pais’, ele disse. ‘Precisamos vir de algum lugar. Mas noivado, casamento... não, essas coisas são desconhecidas para nós. Somos muito mais livres em nossos afetos.’
Ela arregalou os olhos ao ouvir a declaração do Djim. ‘Você quer dizer… com qualquer um?’
Ele gargalhou ao perceber o ar atônito da jovem. ‘Eu prefiro mulheres, mas, sim, você entendeu o espírito da coisa.’
Ela enrubesceu. ‘E com mulheres… humanas?’
‘Nada até o momento.’
‘... Ela desviou o olhar. ‘Uma moça beduína que agisse assim seria rejeitada por todos.’
‘Uma punição muito dura por simplesmente agir segundo seus impulsos naturais’, ele disse. Aquilo, pensou, estava cada vez mais intrigante – não as ideias humanas, que eram ridículas, rígidas e inúteis, mas as idas e vindas daquela conversa, a maneira como ele a fazia corar à leve menção de um simples fato da vida.
‘São nossos costumes’, ela disse. ‘Quão duras seriam nossas vidas se ainda tivéssemos de nos preocupar com casos amorosos e ciúmes? É melhor assim, acho.’
...”
E também como ele foi pego e preso (ainda servindo de escravo).
Os personagens são ÓTIMOS, até mesmo o ‘vilão’ que no final mostra um motivo nobre (porém bobo) para fazer o que esta fazendo na história.
“...‘Chava’, ele disse, ‘é uma ironia cruel que você tenha mais dificuldade exatamente quando as pessoas à sua volta estão se comportando melhor. Suspeito que você acharia mais fácil se todos nós deixássemos a educação de lado e fôssemos atrás dos nossos desejos.’
Ela refletiu. ‘Seria mais fácil no início. Mas depois vocês feririam uns aos outros para realizar seus desejos e teriam medo uns dos outros, e ainda assim continuariam querendo coisas.’
Ele ergueu as sobrancelhas em aprovação. ‘Você está se tornando uma ótima estudante da natureza humana’..."
Chava é praticamente uma, porém aprender as coisas facilmente, toda a ideia dela tentar aprender a não ajudar as pessoas é bem leal, a ideia dela também, que muitos se perguntam, dela ser um ser de barro, mas poder ter sentimentos e amar é bem legal.
"...É importante aprender a agir de acordo com o que as pessoas dizem e fazem, não com o que elas desejam ou temem. Você possui uma janela extraordinária para a alma das pessoas e, por isso, verá muitas coisas feias e incômodas, muito piores do que a minha vontade de não ter você por aqui. Você precisa se acostumar com isso e não fazer caso delas.”
Ela também é tímida, inocente e MUITO bondosa (esse ultima me irritou um pouco, porém mesmo com isso, não tem como não se apaixonar por ela).
"De repente, lá estava: uma mulher verde acinzentada em pé no meio das águas, segurando uma tabuleta em uma das mãos e ostentando uma tocha na outra. Seu olhar era impassível, e ela estava totalmente imóvel: seria também um golem? Então a distância ficou nítida, e ela compreendeu o quão longe estava a mulher, e o quanto ela era gigantesca. Não estava viva, afinal; mas os olhos inexpressivos e serenos traziam, contudo, um sinal de compreensão. E as pessoas no convés acenavam e gritavam para ela com júbilo, rindo e chorando ao mesmo tempo. Esta também é, pensou a Golem, uma mulher que fora construída. Seja lá o que significasse para os outros, era amada e respeitada por isso. Pela primeira vez desde a morte de Rotfeld, a Golem sentiu algo como esperança. - Chava"
Já Ahamad é espirituoso, corajoso e sabe aproveitar muito bem a vida dele. Ele é bem rebelde também, se rebelando com o amigo dele (que o ajudou), e saindo pela cidade de NY à noite e fazendo o que quer.
“ ...’Quem quer que tenha sido’, disse ele, ‘era brilhante, temerário e bastante amoral.’ Ele suspirou. ‘Você consegue captar os desejos alheios?’
‘E os medos’, ela respondeu. ‘Desde que o meu mestre morreu.’
‘Foi por isso que você roubou aquele knish para dar ao menino?’
‘Eu não queria roubar’, ela respondeu. ‘Mas ele estava... tão faminto’... '
“Um homem pode desejar algo por alguns instantes, mas uma grande parte dele rejeita esse desejo. Você deve aprender a julgar as pessoas por seus atos, não por seus pensamentos.”
“O Djim olhou para Arbeely como se ele tivesse proferido um insulto. ‘Mas eu não durmo na oficina.’
‘Então onde você tem dormido?’
‘Arbeely, eu não durmo.’
...
‘Você não dorme? Quer dizer... nem um pouco?’
‘Não, e estou feliz por isso. Dormir me parece uma enorme perda de tempo.’
‘Eu gosto de dormir’, protestou Arbeely.
‘Isso é porque você se cansa.’
‘E você não?’
‘Não da mesma maneira’...”
“...’Se eu não dormisse’, meditou Arbeely, ‘acho que sentiria falta dos sonhos.’ Ele franziu o rosto. ‘Você sabe o que são sonhos, não sabe?’
‘Sim, eu sei o que são sonhos’, respondeu o Djim. ‘Eu posso entrar neles.’
Arbeely empalideceu. ‘Entrar neles?’
‘É uma habilidade rara. Apenas alguns poucos clãs de djins superiores a possuem.’ Mais uma vez Arbeely percebeu a arrogância trivial, indiferente. ‘Mas só posso fazê-lo na minha forma verdadeira. Então não precisa se preocupar: seus sonhos estão seguros.’...”
Ele tem uma fixação em fazer pássaros, e se você perceber bem, isso esconde uma analogia com a situação dele, pois mesmo ele estando livre da garrafa, ele ainda está preso ao seu carcereiro.
Como falei, o livro passos outros personagens, como o rabi que ajuda Chava, o ferreiro Abeerly, Michael, Sophia, etc, e todos eles são importantes, mesmo aqueles que não aparecem muito.
Desses personagens, o que mais gostei foi Sophia, que não aparece muito - o que é uma pena - mas tem um final digno da pessoa que ela é.
A escrita desse livro é magnífica demais, me surpreendi MUITO com ele.
Helene sabe dosar bastante as descrições que ela dá sobre a NY do passado (não tem como esquecer por exemplo quando Chava vê a Estátua da Liberdade e nem quando o vilão, Joseph, vê NY por cima), fora as partes em que ela fala do deserto que o Djim morava e de seu palácio.
“Olhou para baixo, observando as ruas estreitas, e se deu conta de que a cidade também era um labirinto. E, como todos os labirintos, escondia algo precioso em seu coração.”
As culturas que Helene escolheu para colocar em sua fantasia, também, são cativantes demais, me apaixonei por elas. Fora o conflito entre essas duas culturas, uma mais mística, e outra mais pé no chão.
O livro também possui uma escrita bem fluida e quando você começa lê-lo, não tem como parar (eu por exemplo engatei a leitura e em dois dias acabei).
Ele também é bem emocionante, me peguei chorando em vários momentos.
De longe, um dos melhores livros que li esse ano, e um dos melhores que li na vida com toda certeza do mundo, vou levar essa história com muito carinho no resto de minha vida!
Nota: 5/5 + Se tornou um dos favs.
QUOTES
"A Golem não conseguia tirar os olhos da forma imóvel que jazia sobre a mesa. Pouco antes, ele era seu mestre, sua razão de ser; agora parecia não ser nada. Ela se sentia atordoada, sem lastro. Deu um passo à frente e tocou o rosto do mestre, seu queixo fraco, suas pálpebras caídas. O calor desaparecia de sua pele."
"Não era a primeira vez que ele desejava ter um confidente, alguém com quem pudesse compartilhar até o mais ultrajante segredo. Mas, em uma comunidade estreitamente entrelaçada, Boutros Arbeely era praticamente um estranho, um recluso até, que ficava mais feliz sozinho com sua forja. Ele era péssimo em manter uma conversa fiada, e em festas de casamento era sempre visto sozinho em uma mesa, examinando os talheres para checar a marca do fabricante. Seus vizinhos o cumprimentavam calorosamente na rua, mas nunca paravam para conversar. Ele tinha muitos conhecidos, mas poucos amigos."
"Fora a mesma coisa em Zahlé. Criado em uma família de mulheres, fora um garotinho silencioso e sonhador. Ele descobrira o ofício de ferreiro por um feliz acaso. Ao sair para entregar um recado, parou em frente à forja local e ficou observando, fascinado, um homem coberto de suor que martelou uma folha de metal até que esta se transformou em um balde. Era a transformação que o encantava: de inútil para utilitário, de nada para alguma coisa. Ele sempre voltava ao local para ficar observando, até que o ferreiro, exasperado com o fato de estar sendo vigiado, ofereceu-se para admitir o garoto como aprendiz. Foi assim que o ofício de ferreiro tomou conta da vida de Arbeely, que praticamente deixou todo o resto de fora; e ainda que, vagamente, tivesse a ideia de um dia encontrar uma esposa e formar uma família, estava satisfeito com as coisas do jeito que eram."
“...
‘Bem, mesmo assim, você é mais que bem-vindo...’
Irritado, Djim interrompeu-o: ‘Arbeely, eu não quero viver aqui, acordado ou dormindo. Por enquanto, continuarei na oficina’.
‘Mas você disse...’ Arbeely ficou em silêncio, sem vontade de prosseguir.
‘Se você me deixar preso aqui por mais tempo, vou acabar enlouquecendo, disse o Djim, e isso doeu no homem. O plano deles exigia que o Djim ficasse fora da vista dos outros até que Arbeely lhe houvesse ensinado o suficiente para que ele pudesse se passar como um aprendiz; mas para isso o Djim era obrigado a ficar escondido nos fundos da oficina durante o dia – um espaço tão pequeno quanto o quarto de Arbeely. O ferreiro compreendeu que essa restrição irritava o Djim, mas ficou magoado por ser comparado a um carcereiro.
‘Acho que eu me sentiria estranho se tivesse de passar toda a noite em um quarto vendo um homem dormir’, admitiu Arbeely.
‘Exatamente.’ O Djim sentou na beira da cama e olhou de novo à sua volta. ‘E francamente, Arbeely, este lugar é horrível!’...”
site: Para uma resenha com todos os QUOTES: https://livroslapiseafins.blogspot.com.br/2017/10/terminei-de-ler-golem-e-o-genio.html