kit kat 20/05/2015
"Afinal de contas, é nas zonas mais escuras da vida que se encontra a beleza mais iluminada e a sabedoria mais profunda."
Contos de fadas geralmente mostram personagens fortes que lutam contra forças do mal para, no fim, passar algum ensinamento moral. Essa suave e delicada receita pode ser encontrada nos clássicos contos de Charles Perrault, cujas histórias a Disney transformou em filmes e as popularizou por todo mundo do jeito como as conhecemos hoje, ou seja, com finais felizes e pouca violência. Entretanto, lá na Alemanha do séc. XVIII, dois irmãos escritores também dedicaram as suas vidas ao registro de antigas fábulas infantis, só que com um toque muito mais sombrio e sinistro. Esses eram os Irmãos Grimm e suas histórias inspiraram o autor Adam Gidwitz a escrever esse adorável livro, Um Conto Sombrio dos Grimm.
A história reconta a jornada de João e Maria, a verdadeira jornada, que começa bem antes do nascimento deles, mas que, por uma série de mal-entendidos e pré-julgamentos, levam os pequenos herdeiros do trono a fugirem do reino, acreditando que conseguem encontrar pais melhores que os seus. Assim, João e Maria se tornam parte de oito subsequentes contos que envolvem casas feitas de doces, andorinhas e magos assassinos e põem a prova a coragem, fraternidade e determinação de João e Maria até que eles alcancem a maturidade e o perdão necessários para voltar para casa.
Devo dizer que me diverti bastante lendo Um Conto Sombrio dos Grimm, antes até de sentir medo ou algo do tipo. Essa não é uma história de terror. Há aqui e ali umas decapitações, pequenos sacrifícios e passagens sangrentas, mas não é nada tão chocante quanto, por exemplo, a versão arcaica que eu ouvi de A Bela Adormecida (:O). Adam Gidwitz dosou a sua versão da história de João e Maria com humor, e humor é uma língua que as crianças entendem melhor do que qualquer um.
De longe, o que eu mais gostei foi o jeito como o Adam narrou a história: em terceira pessoa, com intromissões em negrito do próprio narrador, dialogando com os seus leitores de uma forma indagadora, provocadora e divertida, mas acima de tudo, confiante. A sensação que fica é a de proteção, de ter alguém que nos momentos mais assustadores vai fazer uma pausa relaxante para indiretamente mostrar que, não importa o que vier em seguida, você, como leitor, não estará sozinho. Então, não, não acho que esse livro irá provocar pesadelos em nenhuma criança.
Para os adultos, alguns acontecimentos podem ser previsíveis, mas isso não tira o mérito da obra. No fim, mesmo que o Adam jogue com essa abordagem mais sinistra e sombria, Um Conto Sombrio dos Grimm não deixa de se assemelhar aos usuais contos de fadas, com uma moral nas entrelinhas e um final feliz. Super curti o resultado, e como alguns de você já devem saber, eu tenho o costume de sempre ler os agradecimentos do autor - às vezes até antes de começar a ler o livro - e ler os agradecimentos do Gidwitz me fez gostar ainda mais desse resgate ao macabro quando ele diz: "...foi Gabe Howard que me ensinou, e ainda me ensina, a confiar que crianças podem aguentar o tranco. Independente de o que o 'tranco' seja."
site: http://www.bibliophiliarium.com/2015/05/um-conto-sombrio-dos-grimm.html