Alan Martins 07/10/2021
Foi de "Doerr"!
Quando uma obra de ficção é vencedora de um prestigiado prêmio literário, as pessoas ficam curiosas para conhecê-la, afinal, para merecer os louros da vitória, deve ser excelente. A cada dia que passa, penso se tratar do contrário. Prêmios significam nada, ou melhor, podem significar várias coisas, mas não são sinônimos de qualidade.
DOIS LADOS DE UMA GUERRA
"Toda luz que não podemos ver" apresenta um enredo ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, cobrindo dez anos (1934-1944) das vidas de Marie-Laure LeBlanc e Werner Pfennig.
Marie-Laure é uma garota francesa, filha de um funcionário do Museu de História Natural de Paris. Por conta de uma doença ocular, ela perde a visão, precisando se adaptar à nova condição. Com a ajuda do pai, que constrói maquetes de seu bairro, aprende a se locomover de maneira autônoma, e é alfabetizada em Braille. Após a invasão alemã, deixam a capital e fogem para Saint-Malo.
Werner Pfennig é um garoto alemão órfão, que vive com a irmã, Jutta, em um orfanato localizado em Zollverein, um complexo de minas de carvão. Interessa-se por física e tecnologia, sobretudo rádios, os quais logo aprende a consertar. Werner, como inúmeros jovens de seu tempo, é obrigado a servir ao nazismo, ingressando numa escola de treinamento militar. Graças aos seus conhecimentos tecnológicos, consegue um posto melhor e é colocado no Wehrmacht, com o objetivo de rastrear transmissões ilegais e inimigas.
Ficou claro: de um lado veremos a situação dos invadidos, dos franceses, do outro, a dos invasores, os alemães.
UM ROTEIRO
Este é um daqueles livros que começam pelo fim e depois relatam como as coisas chegaram àquele ponto. Os capítulos são bem curtos -- como ocorre nos romances de Machado de Assis --, e alternam entre a história de Marie-Laure e Werner. É fácil adivinhar aonde a narrativa, que se alterna, chegará. Anthony Doerr fez uso desse artifício para criar suspense e tensão. Pena que o clima é quebrado por boas doses de enfado, dado que sua escrita, apesar de fácil compreensão, é bastante descritiva. Sem falar que o clímax não entrega o que vai sendo prometido ao longo da leitura, ou seja, brochante.
A temática Segunda Guerra Mundial já foi deveras explorada na literatura. "Toda luz que não podemos ver" não traz nada de novo ao tema. Aliás, é um livro sem grandes debates morais sobre o que ocorreu naquele período, sem aprofundamento filosófico. Os personagens são um tanto quanto "isentos", parecem nunca tomar partido.
Para dar uma atmosfera misteriosa à trama, há a presença do Mar de Chamas, uma pedra preciosa detentora de poderes mágicos (é o que dizem). E não para por aí! Um Deus Ex Machina também dá as caras, na forma do nazista Reinhold von Rumpel, cujo o papel é criar alguns momentos tensos para a vida de Marie-Laure. Von Rumpel almeja encontrar o Mar de Chamas por motivos pessoais, e de saúde, entretanto, assim que deixa de ser necessário, é descartado pelo enredo, sem rodeios.
O autor tentou ao máximo não inserir violência no romance, algo difícil tendo como pano de fundo uma guerra. Faz sentido, visto que seu foco é outro. O que não fez sentido foi uma cena no final, onde ocorre um estupro coletivo. Uma cena sem utilidade, que destoa de tudo aquilo que o livro construiu. A única justificativa seria dizer o destino de uma personagem, algo que poderia passar batido, ou ter sido elaborado de outra forma.
Fiquei com a impressão de que Doerr lapidou sua obra minuciosamente, deixando-a parecida a um roteiro. Nenhum roteirista teria quaisquer dificuldades para realizar uma adaptação. E, ao que tudo indica, a Netflix já está trabalhando nisso!
SOBRE A EDIÇÃO
Brochura, capa com orelhas e acabamento Soft Touch, miolo em papel Pólen Soft e diagramação confortável. A arte da capa é assaz bonita e, com certeza, chama a atenção do leitor.
Tradução de Maria Carmelita Dias, que realizou um bom trabalho. A revisão, por outro lado, falhou em algumas ocasiões e certos errinhos passaram. Pode ser que tenham sido corrigidos em reimpressões futuras.
CONCLUSÃO
Sinceramente, o livro passou longe daquilo que eu esperava (e imaginava) de um best-seller vencedor do Pulitzer. É até difícil compreender a razão de ter ficado com o prêmio. Enfim, fiquei decepcionado, aguardava algo diferente.
Ruim? Talvez "chato" e "sem graça" sejam termos mais adequados para definir "Toda luz que não podemos ver". Nota-se que Anthony Doerr escreveu bem e com muito cuidado, porém, o resultado final ficou parecido com uma história young adult que acontece na Segunda Guerra Mundial. Não é meu estilo.
Houve a inserção de um "amor à primeira vista" só para ficar legal, pois a narrativa pende para o lado do sentimentalismo, e o desfecho deixou a desejar, com um salto temporal gigante e sem nexo. Um romance sem nada a agregar, que foi alongado desnecessariamente. Finalizar a leitura exigiu esforço, foi de "Doerr"!
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