Amélia Galvão 03/04/2020É um livro ambientado no período entre a primeira e a segunda guerra mundial, que foi marcado pelos sentimentos de desesperança, melancolia e descrença na humanidade. Pode não parecer diferente de hoje, mas naquela época foi como perder o chão. Antes se vivia um sonho de progresso tecnológico e de fé no avanço moral, permeado por uma sensação de segurança. A guerra ceifou esse sonho e jogou todos num abismo de desolação e desesperança. Os valores da sociedade, as desigualdades e a falta de oportunidades iguais passam a ser objetos de reflexão. Na autobiografia do Stefan Zweig ele comenta sua própria experiência sobre esse período.
Nesse contexto, encontra-se a protagonista do livro, Christine, uma moça de 28 anos, de família humilde e funcionária de uma agência postal. Ela vive resignada e apática, sem perspectiva de dias melhores, não enxergando graça na vida ou sentindo qualquer coisa, apenas sobrevive. Ela foi mais uma das vítimas da guerra, que deixou seu país assolado na miséria e também a sua família. De modo diverso, a irmã da sua mãe vive na riqueza e um dia a convida a passar um período num luxuoso hotel suíço.
A partir daí os problemas começam. Christine percebe que existe um mundo, uma vida, além do que ela conhecia. Ela que se sentia morta, sem reações, sem sentimentos, agora encontra dentro de si uma nova e desconhecida versão dela mesma, que sabe rir, divertir-se e curtir a vida. Ela não sabia que era possível ser assim, regozijar-se desse modo, sentir-se leve, sem preocupações com dinheiro, com a sobrevivência. Fica entorpecida, sente que pela primeira vez está conhecendo seu verdadeiro eu, mas esquece que não pertence aquele mundo.
Num certo dia, ela é expulsa desse sonho, jogada de volta a sua realidade, a sua vida miserável. Ela fica indignada e cheia de ódio, pergunta-se por que não tem o direito de ser feliz, de usufruir das mesmas coisas que aquelas pessoas, o que ela fez de errado para ser privada disso? Por que ela tem que sofrer, tem que viver contando os centavos, trabalhando 3 meses para ganhar o mesmo que seus tios ganham num jogo de azar? Onde está a justiça nisso? Por que não é dada a ela a oportunidade de conseguir uma vida melhor? Não importa o quanto ela trabalhe ou se esforce, ela está fadada a continuar na mesma situação.
No livro há reflexões sobre miséria, desigualdade social, os impactos da guerra, sistemas econômicos, filosofia, valores morais e sobre outros elementos ligados à natureza humana. As relações entre as personagens são ricas e a escrita do Zweig demonstra grande sensibilidade, além de descrever de forma encantadora paisagens e acontecimentos. É uma narrativa com grande densidade psicológica, com muitas mensagens nas entrelinhas e, que na minha opinião, prevalece o sentimento de desesperança, o qual se reflete nas falas e atitudes de certas personagens.
Foi um livro que entrou para os meus favoritos, levando-me inclusive a começar a autobiografia do autor e a querer ler mais dele. Além disso, enquanto o lia, lembrei de “O lobo da estepe”, do Hermann Hesse (contemporâneo e colega de Zweig), justamente pelo sentimento de melancolia e desesperança que permeia a primeira parte do Lobo e está bastante presente no Êxtase. Sei que Thomas Mann foi contemporâneo deles e pode ser, que por isso, haja semelhanças entre seus livros também, mas como ainda não o li não sei dizer.
Fico por aqui e espero que essa também seja uma leitura agradável para vocês.