Emily422 09/07/2020
Depois deste livro, o badalar dos sinos não sai mais da minha cabeça.
As ordens militares são bem objetivas, mas os sentimentos humanos não o são. No mais terrível dos tempos, na guerra, interpondo-se sobre o medo da morte, surgem os indivíduos e sua luta incessante pela liberdade.
Passando-se durante a Guerra Civil Espanhola, o livro expressa diretamente a tensão da famosa era dos extremos. De fato, a guerra civil Esp. foi um ensaio para II Guerra mundial, mas foi um dos ensaios mais sangrentos e tenebrosos da história. De modo genial, Hemingway nos leva a presenciar profundamente os dias contados que o norte-americano Robert Jordan teve entre as montanhas da Espanha. Seu único objetivo era explodir uma ponte, mas as coisas acabaram não sendo tão simples assim. E, a partir daí, somos presenteados com o elemento introspectivo de Jordan, que é louvável. O peso da guerra se interpondo sobre seus deveres morais, seus sentimentos, a tentativa de repreensão desses sentimentos... Ele, e os demais personagens, batalham não apenas na guerra civil, mas também em suas próprias consciências. Um bom trecho para ilustrar isso:
"Tudo certo", pensou. "Sinto muito, se é que adianta." Não adianta. "Então tudo bem, pare com isso". "Está certo, parei". Mas não iria parar tão fácil assim. "Quantos você já matou?", perguntou para si mesmo. "Não sei". Você pensa que tem o direito de matar qualquer pessoa? "Não. Mas tenho que matar". Quantos você matou que eram realmente fascistas? "Bem poucos. Mas eles são inimigos, a cuja força nós opomos força". Mas você gosta das pessoas de Navarra, mais do que de qualquer outra parte da Espanha. "Sim". E você os matou. "Sim. E, se não acreditar, desce até o acampamento". Você não sabe que é errado matar? "Sei". Mesmo assim você mata? "Mato". E continua acreditando que a sua causa é justa? "Sim". "Está certo", concluiu para si mesmo [...]"
E é exatamente nesses momentos de reflexão que o verso do poema de John Donne se encaixa. "Por quem os sinos dobram? [...] Eles dobram por ti." Toda essa problematização vem, pois somos todos parte da humanidade afinal. Ora, por que perguntas por quem os sinos dobram? Não sabes que eles dobram por ti? Aos braços da morte foi um ser humano igual a ti. Um fim exatamente igual tu não terás? Os "sinos" da igreja cantarão e a humanidade vai se ver com a falta de mais um irmão. Por que matamos? Os sinos dobraram, e, em outras palavras, quem está morrendo somos nós mesmos.
Antes eu já pensava sobre, mas agora, quando estudo e pondero sobre as milhares de guerras e conflitos armados, em geral, que já explodiram sobre esta terra e arrebataram milhões, ou quando ouço diariamente sobre as mortes no meu bairro, na minha cidade, no meu país, o badalar dos sinos soam mais alto do que tudo; não saem da minha cabeça. (No momento então, com essa pandemia, é ensurdecedor). Um pedaço da gente se vai.
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Nos prazos da guerra, Jordan queria viver o "máximo" que podia em poucos dias, pois a morte se encontrava dobrando a esquina. No combate, a cada segundo, olhava-se para o céu sabendo que talvez fosse a última vez que o veria. No início fiquei sem entender a parte de romance entre Robert e Maria, mas depois o contexto da guerra evidenciou o sentido da paixão e a necessidade das mil declarações de amor a todo instante.
E, meu Deus, os últimos capítulos do livro são frenéticos, a onda de tensão cresce exponencialmente. Valeu todo a minha paciência, já que demorei até que bastante para finalizar essa obra.
Mesmo se tratando de uma história de ficção, é agonizante passar por todos os trechos em que os personagens nutrem certa esperança com a vitória na guerra. Pois os personagens são fictícios, mas com toda a certeza espelham os milhares de espanhóis que morreram pela causa ou viveram para presenciar o duro regime fascista subsequente. Com o desbalanceamento bélico e diversos outros fatores, os republicanos estavam de fato 'en un callejón sin salida', mas escolheram bravamente "morrer de pé do que viver de joelhos". Enfim, como o próprio Hemingway escreveu:
"Os mortos não precisam levantar. São uma parte da terra agora, e a terra nunca pode ser conquistada, sobreviverá a todos sistemas de tirania. Aqueles que nela entraram de maneira honrada– e não houve homens que entraram mais honrosamente do que os que morreram na Espanha– já alcançaram a imortalidade".