spoiler visualizaryumi 24/08/2022
O fato de que esse livro é criticado pelas feministas de hoje como algo que venha à ter ideias retrógradas e conservadas me diz que estas não tiveram a empatia sob aquelas mulheres que viviam na época que foi lançado o livro. A obra é de 1915, os pensamentos aqui apresentados foram os mesmos que deram início à luta feminista. Não dá para esperar de uma mulher do começo do século XX os mesmos ideais de uma mulher do século XXI exatamente pelo fato das necessidades que tinha e da sociedade que ali vivia.
Um país formado por apenas mulheres, há mais de dois mil anos, faz com que a ideia de gênero seja extinta por completo. Elas sempre souberam da existência de homens em outros lugares, mas nunca tiveram o arquétipo de um homem da mesma forma que outras mulheres que não são desse país tem. Além do fato de que Van reconhece que a ideia de mulher que eles (Terry e Jeff) é na verdade inventada pelos homens.
"Aqui tem-se seres humanos, sem dúvida, mas o que demoramos a entender foi como essas supermulheres, herdando apenas de mulheres, tinham eliminado não somente certas características masculinas, pelas quais obviamente não procuramos, mas tanto do que sempre pensamos ser essencialmente feminino. A tradição de homens como guardiões e protetores havia desaparecido. Essas virgens resolutas não temiam homem algum e, portanto, não precisavam de proteção."
"O que me levou à convicção de que os “charmes femininos” que apreciamos não são nada femininos, mas apenas reflexos da masculinidade - desenvolvidos para nos agradar porque elas precisam nos agradar -, nem um pouco essenciais ao desempenho."
O livro vai além de uma análise social ligada ao gênero ao passar por assunto como religião, crítica ao sistema capitalista, um flerte com ideais comunistas e até mesmo com o veganismo, termo que só veio surgir nos anos 60.
"-O que não consigo compreender - continuou ela cautelosamente - é a preservação dessa mente tão antiga. Essa ideia patriarcal de que me conta tem milhares de anos?
- Ah, sim... quatro, cinco, seis mil, ou mais.
- E, em outras áreas, fizeram grandes progressos?
- Certamente. Mas religião é diferente. Entenda: nossas religiões vêm de antes de nós, iniciadas por um grande mestre já falecido. Ele supostamente entendia tudo e nos ensinou. Tudo que temos a fazer é acreditar... e obedecer.
- Quem era esse grande mestre hebreu?
- Oh… lá era diferente. A religião hebraica é um acúmulo de tradições extremamente antigas, algumas bem mais do que o próprio povo, crescendo ao longo das eras. Consideramos que inspirou... “a Palavra de Deus”.
- Como sabem?
- Porque é o que ela diz.
- Diz em quais palavras? Quem escreveu?
Tentei me lembrar do texto que dizia isso, mas não consegui.
- Além disso - continuou ela - o que não consigo entender é por que mantêm essas ideias religiosas por tanto tempo. Mudaram todas as outras, não?
- Em geral, sim - concordei. - Mas isso é o que chamamos de “religião revelada”, e pensamos ser definitiva."
"Nós nos esforçamos para falar das vantages da competição: como ela desenvolvia as melhores qualidades; que sem ela "não haveria estímulo industrial". Terry tinha muita certeza disso.
- Estímulo industrial - repetiram, com aquele olhar curioso ao qual nos acostumamos. - Estímulo? Industrial? Mas vocês não gostam de trabalhar?
- Nenhum homem trabalharia, se não precisasse - declarou Terry. - (...) Ninguém, quero dizer, nenhum homem ou mulher trabalharia sem incentivo. A competição é o… o motor.
- Não é assim conosco - explicaram gentilmente -, então é difícil de entender. Querem dizer que, por exemplo, nenhuma mulher trabalharia pelos filhos sem o estímulo da competição?
- Não, - ele admitiu - não foi o que quis dizer. Supunha que as Mães, obviamente, trabalhariam pelos filhos em casa, mas no mundo do trabalho era diferente, isso precisava ser feito pelos homens e necessitava do elemento competitivo.
Nossas professoras ficaram extremamente interessadas.
- (...) Contem-nos: que trabalho nesse mundo os homens fazem, que não temos aqui?
- Oh, tudo - respondeu Terry, grandiloquente. - Os homens fazem tudo entre nós. - Ele endireitou os ombros e expandiu o peito. - Não permitimos que nossas mulheres trabalhem. (...)
- Contem-me primeiro: mulher nenhuma trabalha, mesmo?
- Ora, sim - admitiu Terry. - Algumas precisam, as mais pobres."
"Demorei para explicar àquelas mulheres amáveis o processo que tira o bezerro da vaca, e, do bezerro, seu alimento verdadeiro; e a conversa nos levou a uma discussão sobre o negócio da carne. Elas ouviram, muito pálidas, e, em seguida, pediram licença."
A irmandade ou sororidade que é tão falado hoje em dia também aparece aqui, sendo bem presente nas relações entre essas mulheres que vivem diariamente juntas. Ela é essencial para as boas relações e para o desenvolvimento das crianças.
“Elas se amavam com um afeto praticamente universal, criando amizades esplêndidas e naturais, espalhando a devoção ao país e ao povo de tal forma que nossa palavra patriotismo não consegue abarcar. Patriotismo, veemente, é compatível com a existência de uma negligência dos interesses nacionais, uma desonestidade, uma indiferença fria ao sofrimento de milhões. Patriotismo é, em geral, orgulho, e muita combatividade. Patriotismo geralmente arrasta a vingança.”
“’Nós’, ‘nós’ e ‘nós’ - era tão difícil fazê-la falar de individualidade. E, quando pensei nisso, de repente, me lembrei de como sempre criticávamos nossas mulheres por serem tão individuais.”
E ademais, um dos pontos que mais me chamou atenção foi a educação. O método usado nesse país para criar as crianças me lembrou muito sobre a educação positiva, assunto o qual tenho interesse, porém até o momento tenho ideias básicas, e que vai contra o que era usado no mundo atual de 1915 e que até hoje temos rastros de um ensino falho que não desenvolve bem os pequenos à ser tornarem bons adultos.
“- Conte-me sobre a teoria educacional de vocês - pedi. - Um resumo simples. E para você entender o que me intriga, explico que na nossa teoria reforça-se muito o empenho obrigatório da mente infantil; pensamos que é bom para ela superar obstáculos.
- Claro que é - ela concordou surpreendentemente. - Todas as nossas crianças fazem isso... e adoram.
Isso também me intrigou.
-Se adoram, como pode ser educacional?
- Nossa teoria é esta - continuou cuidadosamente - temos aqui um jovem ser humano. A mente é algo tão natural quanto o corpo, uma coisa que cresce, algo a ser usado e aproveitado. Buscamos alimentar, estimular e exercitar a mente desta criança da mesma forma que fazemos com o corpo. Há duas frentes principais na educação… vocês têm isso, não é?... o que é necessário saber e o que é necessário fazer.
- Fazer? Exercícios mentais, quer dizer?
- Sim. Nosso plano geral é este: na questão da alimentação da mente, de fornecer informações, usamos nossas melhores armas para satisfazer o apetite natural de um cérebro jovem e saudável; sem alimentá-lo excessivamente, providenciar quantidade e variedade de impressões que pareçam bem-vindas a cada criança. Essa é a parte fácil. A outra frente é arranjar séries de exercícios apropriadamente graduadas que vão desenvolver cada mente da melhor forma possível; as faculdades comuns que todas temos, e, mais cuidadosamente, as faculdades especiais que algumas de nós têm. Vocês também fazem isso, não?”
Entretanto, apesar de muitos pontos serem tratados, acredito que há dois pontos que eram essenciais que não foram nem discutido: o prazer feminino e por que elas não saíram de suas terras?
Em um país sem homens e sem a necessidades destes pra a reprodução, parece também que o livro nos diz que as relações sexuais são prazeirosas apenas para esses, como se mulher nenhuma daquela região tivesse vontades e desejos. Em nenhum momento é citado se estas mulheres sentem prazer e se praticam relações sexuais.
Em questão de permanecerem isoladas do resto do mundo, não nos é dito porque elas nunca quiseram entrar em contato com outras nações. Elas ficam praticamente escondidas, não querem que ninguém saiba daquele lugar além daqueles que chegam em suas terras. E estes que chegam, ou não voltaram (também não foi falado o motivo de não retornarem) ou são estudados pra saberem sobre o mundo exterior, que é o que ocorre com os três protagonistas. Se são tão curiosas, por que não vão conhecer o mundo?
Dado aos tópicos apresentados, penso que esse livro é um ótimo meio de introduzir ideias sociais, mais focadas em gênero e feminismo, para aqueles que tem curiosidade e quase nada de informação. Eu certamente recomendaria ele com o intuito de fazer a pessoa começar a formar um pensamento crítico e se perguntar sobre sua própria realidade e suas ideias.