Kamila 19/09/2017
ALERTA DE TEXTÃO
Estando consciente que David não é Stieg, antes mesmo de aparecerem nossos personagens favoritos, A Garota na Teia de Aranha vai nos apresentar o professor Frans Balder, considerado por muitos um gênio fora de série da informática. Ele trabalhava numa empresa no Vale do Silício, mas deixou tudo para trás e voltou para Estocolmo para cuidar de seu filho August, de oito anos, cuja existência só era lembrada no dia de pagar a pensão.
Enquanto Frans está no apartamento de sua ex-esposa, uma atriz que outrora fora exitosa, Mikael Blomkvist está em seu apartamento, questionando sua existência enquanto jornalista. Desde seu último grande furo (o plot twist de A Rainha do Castelo de Ar), ele vinha caindo numa espiral de trabalhos medíocres e críticas, muitas críticas. O ano é 2015 e as redes sociais estão a todo vapor. Há até mesmo uma indigesta hashtag em sua homenagem (#naépocadeblomkvist) em que as pessoas comentam que a Millennium está em derrocada e coisas que o valha.
Pior é que a revista realmente não está em seus melhores dias. O grupo Vanger, lá do primeiro livro, retirou-se do quadro de acionistas da Millennium e acabou indo parar nas mãos de um certo grupo norueguês, cujo representante (também jornalista) era podre de rico, mas sentia uma inveja descomunal de Blomkvist. Erika Berger continua dando o seu melhor, mas se vê envolta em dívidas quando resolve contratar dois profissionais de alto nível.
Lisbeth Salander, sempre vivendo à margem, resolve dar seu grande golpe quando resolve simplesmente hackear um órgão do governo norte-americano. Claro que ela tinha lá seus motivos, porém, por questões do momento, acaba descobrindo a existência do professor Balder, que está sendo procurado por Deus e o mundo. Balder, aliás, está em perigo iminente, mas deixa tudo isso de lado quando descobre que seu filho não é apenas autista (síndrome de Asperger, na verdade), mas um savant - alguém que tem uma grande capacidade intelectual, mas ao mesmo tempo não é tão inteligente assim. Ex.: uma criança que consegue calcular diversas sequências de números primos, mas ao mesmo tempo mal sabe assinar o nome.
Frans Balder é assassinado, por saber demais sobre um certo software, e seu filho é a única testemunha, o que faz ser procurado, mas acaba indo parar na improvável companhia de Salander, que terá apenas Blomkvist como seu aliado, porque, além de não confiar na polícia, está procurando por uma certa Camilla, com quem tem uma dívida bem antiga.
Socorro, me abana porque eu tô chocada com esse livro!!! Agora, quero confessar que, durante o ensino médio, eu fiquei de recuperação anual de matemática OS TRÊS ANOS. Então, por mais que eu ame Millennium, me sentia burra cada vez que Lisbeth nos deleitava com seus avançados conhecimentos matemáticos. Sou de humanas, então não quero imaginar o trabalho que o autor teve em pesquisar um monte de conceitos tanto de matemática como de informática e até de inteligência artificial.
Em entrevista, Lagercrantz disse que, enquanto escrevia os livros, ele entrou num estado maníaco-depressivo. Talvez eu o tenha entendido. Eu também entraria em depressão só de ter que pesquisar sobre curvas elípticas, números primos e toda a caralhada de coisa que ele descreveu, não só da Lisbeth como também do pequeno August, pra quem torci para que ficasse bem - pode ser o livro que for do gênero que for, se tiver criança especial (principalmente se for Asperger), vou torcer por ela.
Além de matemática, o livro não esqueceu de abordar os abusos do Estado contra quem não pode se defender, mas também focou em violência doméstica (a mãe de August apanhava do marido), na discussão sobre privacidade e claro, relações familiares. O casamento de Erika está em crise, Pernilla, filha de Mikael (sim, ele tem uma filha, que apareceu no primeiro livro, alguns segundos no filme americano e nem foi lembrada no filme sueco) aparece para dizer que vai começar um curso para "aprender a escrever de verdade", a família da Lisbeth... bem, essa é um caso à parte.
Como eu já disse lá no início, David não é Stieg, mas seu trabalho é digno de aplausos. Ouvi dizer de algumas pessoas que o livro mais parecia uma fanfic, outros disseram que Lisbeth apareceria só dois segundos, enfim, chuva de críticas. Mas ele escreveu uma incrível história, relembrando personagens dos livros anteriores e inserindo novos, sem perder a espinha dorsal da trama, tampouco desvirtuando ou modificando as personalidades dos principais personagens.
Lisbeth Salander continua sendo meu ideal de mulher, lutando com unhas e dentes por sua vida e seus interesses, inteligente, linda, maravilhosa e autêntica - o que é mais importante. Mikael Blomkvist é meu ídolo do jornalismo, continuo com a mesma impressão que fiquei quando assisti o primeiro filme (lembrando que vi o filme antes do livro e antes mesmo de saber quem raios era Stieg Larsson): se um dia eu tiver 10% da capacidade dele, estou satisfeita. Erika Berger segue com a mesma garra e comando (e o mesmo marido e o mesmo amante) e prestem atenção num certo Andrei Zander, novato na Millennium, mas de grande potencial.
Vale ressaltar que, agora sim, este livro foi traduzido direto do sueco. E isso é uma coisa que valorizo muito num livro, se foi traduzido de alguma edição anglófona/francesa ou da língua de origem. Os meus exemplares anteriores são da capa antiga (muito mais bonita que essas novas) e traduzidos da edição francesa. Ficou bom, mas nada se compara a ler traduzido do idioma de origem, praticamente não se perde nada de tradução.
No mais, que venha os próximos volumes - o quinto eu comprei na pré-venda e o sexto só em 2019. David Lagercrantz já avisou que o sexto é o último, então vou ler bem devagar, que é pra não acabar. (Na verdade eu queria mesmo era ler o volume inacabado que Larsson deixou, que está em poder da viúva e embargado pelo pai). A Companhia está de parabéns pela edição impecável. A única vantagem de eu ter as capas diferentes é que terei duas coleções em uma: três de Stieg e três de David.
site: http://resenhaeoutrascoisas.blogspot.com.br/2017/09/resenha-garota-na-teia-de-aranha.html