spoiler visualizarBabi159 04/01/2021
Amei o livro na reta final (“plots” sensacionais), mas devo ressaltar alguns pontos que não fizeram sentido para mim
1. Qual é o significado de adoção para a autora? Zeke é um pastor teoricamente corretíssimo. Encontra uma criança recém-nascida abandonada. Mesmo sabendo que a mulher está doente, já tem um filho para cuidar (Joshua) e um casal próximo deseja adotar (e tem toda a estrutura para fazê-lo), adota a bebê por insistência de sua mulher que quer ter uma menina, como se a criança fosse uma boneca. Cinco anos depois, a mulher morre... E o que ele faz? Abandona a criança pela segunda vez. Zeke a repassa para outra família. A criança, Abra, se torna um verdadeiro monstrinho em função disso. Zeke afirma que fez isso para cuidar do seu rebanho, mas desde quando um pastor coloca o rebanho em primeiro lugar e a família em segundo?
2. Joshua, pintado pela autora como um boy cristão indefectível, se sente atraído por sua própria irmã, Abra. A menina mal completa 13 anos e ele, com 18 anos, já nota seu corpo em desenvolvimento. Sério, dona Francine Rivers, a senhora poderia poupar nossos estômagos dessa informação, não é? Aliás, a autora adora fazer uma descrição endoscópica de suas personagens, sejam homens ou mulheres.
3. Joshua (novamente!) acaba saindo com uma guria da cidade quando Abra está entre as mãos de um playboy psicótico e um sugar daddy workaholic hollywoodiano. Joshua é cristão, mas faz horrores com a moça dentro de um carro. A autora nem discute sobre isso. Apenas naturaliza. Qual é coerência disso para os capítulos seguintes? Em que ela segue transformando Joshua em um cristão irretocável “eu escolhi esperar”? Ele desrespeita Sally como mulher e consequentemente Deus, mas respeita Abra como mulher e ressalta que assim está respeitando Deus. Qual a lógica disso?
4. Só eu que vi uma falha na questão de Joshua e a Guerra da Coreia? Ele retorna à casa, mas provavelmente deveria retornar à guerra. Ele não vai. O foco muda completamente, o fato é esquecido.
5. A autora Francine Rivers escreveu “A Ponte de Raven” com base em Ezequiel 16. Até aí ok, mas quanto às passagens bíblicas, as vejo de forma muito estranhas em alguns momentos. Por exemplo, quando a autora usa Jeremias 1:5 (a vocação de Jeremias) relacionando o versículo à Abra e a todos os seres humanos já concebidos consequentemente. O versículo é sobre uma pessoa específica (Jeremias), sua vocação, e não sobre Abra e toda a humanidade.
6. O aborto de Abra. Embora tenha sentido a tensão e a dor dela na narrativa, creio que faltou algo. Fora o fato de a menina ter sido vítima de uma carniceira e ter sobrevivido, saindo sem sequelas. Lembrando que o livro é ambientado nos anos 1950.
7. Acrescido ao fato 6, Abra demora uma era para engravidar nos anos 1950. Ela vive meses e meses com Dylan, sem proteção alguma e pasmem: não engravida!
8. Rivers também cria aquele mundo esquisito no qual todo o mundo é bonito. Acho muito estranho a ausência de pessoas feias nesses livros de romance.
O ponto número 1 é muito problemático no meu ponto de vista e vai contra os princípios cristãos. A autora tenta dizer que são os desígnios de Deus, tentando justificar o abandono familiar do pastor Zeke, mas Deus vai contra seus próprios desígnios? Não me convenceu de modo algum.
Os demais pontos, vou relevar tentando crer que a autora tentou caracterizar personagens minimamente reais e falhos, porém ela não deveria naturalizar algumas falhas humanas ou minimizá-las. Leitoras ingênuas podem achar que é normal cristãos do padrão Joshua saírem com garotas e abusarem delas sem compromisso, amarem pessoas apenas por causa da aparência e interpretarem a Bíblia de forma descontextualizada.
O livro tem um ritmo bem lento no início, mas com persistência ganha fôlego, gerando curiosidade extrema para saber o que ocorrerá no próximo capítulo. Rivers começa massacrar o leitor com plots excelentes que vão até a última página do livro. As últimas 80, 100 páginas me fizeram chorar copiosamente e refletir sobre muitos aspectos pessoais e meu relacionamento com Deus. Sem mais delongas, recomendo a obra.