@garotadeleituras 13/12/2016
Um Isabel Allende não tão bom, mas tem lá seus méritos!
O amante japonês foi um livro que chamou minha atenção pelos elementos que a sinopse destacava: um amor que perdurou pela vida inteira, a segunda guerra mundial como pano de fundo (adoro romance em tempos difíceis hahaha), e claro, por ser um livro da bem cotada Isabel Allende.
A estória foi tecida com retalhos do passado e impressões do presente. As primeiras páginas relata o cotidiano de Irina Bazili, uma cuidadora de idosos de Lark House, que tem seus próprios demônios não exorcizados do passado, e procura se camuflar entre os moradores do lar eclético/excêntrico onde passa a maior parte dos seus dias. Lá ela conhece além de outros senhores residentes, a austera Alma Belasco e seu neto predileto, Seth.
Irina acaba sendo recrutada por Alma para organizar o material sobre sua vida para publicação de um livro idealizado por Seth. Muito além de fotografias e memórias, o leitor acompanha a jornada movimentada da protagonista. Alma na verdade é uma criança polonesa que emigrou aos oito anos de idade, em 1939 com a ajuda dos pais, para a América, devido à ameaça nazista. Solitária e longe da família, acaba criando vínculos estreitos com o primo Nathaniel e o filho do jardineiro japonês, Ichimei Fukuda, por quem acaba alimentando sentimentos além da amizade. Após o ataque a Pearl Harbor pelos japoneses, a família Fukuda é deportada para campos de concentração nos Estados Unidos; separados pela guerra, os dois amigos começam uma correspondência que iria durar a vida inteira.
Na verdade temos aqui, um livro com três protagonistas importantes; Alma acaba por torna-se uma pessoa independente emocionalmente, mesmo sendo adotava por seus tios Isaac e Lillian, nunca chegou a se sentir realmente parte da família. Devido as perdas precoces, cresceu taciturna, misteriosa, altiva, com um certo orgulho da sua postura retraída; tinha preferências pela vida quieta e sozinha do que multidões ao seu redor. Já no final da vida, quando contabilizou seus amores e apreços, descobriu que poucos conseguiram transpor as muralhas da sua indiferença. Nathaniel era primo e filho do seu tio, logo conquistou o afeto da prima. Com seus problemas e dificuldades pela vida, surpreende o leitor; acaba por seguir a carreira de advogado do pai e é a única pessoa na qual Alma recorre com seus problemas, acaba por casar-se com a prima e estrutura seu casamento em aparências. Ichi, como é carinhosamente chamado por Alma, é o filho mais novo do jardineiro, calmo, centrado e com o dom pela jardinagem, além de espírito pacífico como monge eremita mais tarde, é apelidado de dedo verde, pois tudo que toca, floresce. Separado de Alma, ainda criança, a reencontra em alguns momentos na vida para reatarem os laços sentimentais.
Alma tem lá muitos dos seus defeitos, mas é honesta quanto a possuí-los. Reconhece seu egoísmo no fatídico ano de 1955, quando desistiu do seu amor por Ichimei por convenções que superaram seu amor; ao longo da vida agitada, - como criança órfã, esposa e empresária bem-sucedida, Alma sente-se realizada e mesmo com os percalços, agradecida por ter sobrevivido a tudo isso. Comparando o livro com a sinopse, vejo certa disparidade. O livro não é um romance entre duas pessoas que se conheceram na infância, é mais um relato de uma estória de uma mulher (quase um diário) que conheceu o amor na infância e procurou vivê-lo a vida inteira, independente da frieza ou egoísmo em amar-se mais que o amor ou de outras pessoas envolvidas. Alma é narcisista gente!
Outro aspecto interessante do livro é o papel de Nathaniel no livro. Até descobrir seu segredo, imaginei quão infeliz teria sido esse casamento de aparências entre dois amigos inseparáveis; não poderia deixar de pensar também o quanto pesou na consciência do doce Ichimei esconder seus sentimentos por quase setenta anos da esposa e dos filhos, da comunidade que o respeitava, e como ele sobreviveu a essa culpa?!
Após o término da leitura, passei um bom tempo para decidir a nota do livro, e se, tinha ou não gostado da leitura. Em alguns momentos a leitura torna-se maçante, em outros, sobe aquele nó na garganta, porque um traço muito nítido nesse livro é a realidade dos idosos, seu sentimento em contemplar e esperar a morte, porque já viveu o que tinha pra viver. A própria alma, em alguns momentos, em trechos de cartas, aborrece-se com essa realidade tão eminente que o tempo faz questão em pintar. É difícil o desprendimento da juventude, da beleza e do vigor, e, sobretudo, de pessoas que ficam pelo caminho; soma-se a isso elementos como fidelidade, preconceito social (retrato do aceitável na sociedade pós-guerra) e sexualidade como temas de fundo da narrativa.
Isabel Allende tem uma certa finesse poética para colocar no papel sensações, responsáveis por tornar seus personagens mais reais. Como segunda leitura da autora não posso deixar de dizer, que é um bom livro, porém esperava mais, a sinopse prometia mais! Em alguns pontos, lá pelo finalzinho, as revelações conseguem mexer com o leitor, entretanto, faltou alguma coisinha por ser Isabel Allende; não seria, por exemplo, a obra prima da autora, mas tem lá seus méritos, pela escrita ou pela ideia da narrativa.