Paulo Sousa 11/04/2022
Leituras de 2022
Homens sem mulheres [2014]
Orig. Onna no inai otoko tachi - ????????
Haruki Murakami (??, 1949-)
Alfaguara, 2015, 240p
Trad. Eunice Suenaga
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?Quando o coração dela se move, o meu é puxado junto. Como dois botes presos por uma corda. Mesmo querendo cortá-la, não encontro em lugar nenhum uma faca que possa fazer isso? (pág 119/iBooks).
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Neste volume, Murakami reúne sete histórias curtas, sete contos, por assim dizer, onde, além de misturar os elementos musicais mesclados à paisagem da plaga japonesa, todos falam de alguma forma de solidão e da grande dificuldade que é entender-se com outra pessoa.
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Todos tem um grau de inventividade que não costumamos achar em historietas do gênero, mas ele como que consegue captar a forma com que a solidão e o receio de se abrir com o próximo impedem o desenrolar dos relacionamentos. Esse traço eu tinha percebido quando li outro livro dele, no caso o ?Incolor Tsukuru Tazaki??, a saga do rapaz insípido que busca compreender as razões pelas quais fora abandonado pelos amigos ainda na adolescência. É uma escrita nostálgica, simbolista e cinzenta.
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Não diferente, os contos de ?Homens sem mulheres? expressam também essa mesma urgência inacabada. Os personagens buscam refúgio no sexo fugaz, na ressignificação da própria existência, no silêncio musical de uma tarde chuvosa. Eles anseiam por coisas indizíveis, anelam se locupletar mas, apesar do expediente da palavra dita, preferem calar-se na muda resignação onde parece (só parece) encontrarem certo paz.
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Em coletâneas assim, é comum elegermos aqueles textos que julgamos gostar mais. Eu particularmente fui tocado por ?Drive my car?, a história de um ator que teve a carteira de motorista suspensa, contrata uma motorista a quem acaba confessando a experiência de se aproximar do último amante da sua esposa, já falecida, para entender porque ela o traía. Já outro conto do livro, ?Órgão independente?, narra o trágico fim de um médico que definha de amor pela ingrata mulher que o engana e lhe subtrai grande soma de dinheiro, levando-o a um quadro de inanição aguda. E, claro, o próprio conto que dá título ao volume, ?Homens sem mulheres?, que narra a história de um homem que, ao ser acordado no meio da noite pelo marido de uma antiga namorada dos tempos de colégio, elabora uma interesse teoria sobre o porquê de as mulheres se afastarem inapelavelmente dos homens. Para mim, este o mais poético e bonito de todos. Espia:
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?Um dia, de repente, você vai ser um dos homens sem mulheres. Esse dia chegará subitamente, sem nenhum aviso prévio nem sinal, sem premonição nem pressentimento, sem uma tosse que seja ou uma batida na porta. Ao virar a esquina, você vai descobrir que já está ali. Mas não poderá voltar atrás. Uma vez que virar a esquina, será o único mundo para você. Nesse mundo você estará entre os ?homens sem mulheres?. Em um plural infinitamente indiferente? (pág 226/iBooks).
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Como se viu nessas parcas linhas, o título não é tão fidedigno em seu trato, já que não fala somente de homens solitários: as mulheres tem um espaço interessante aqui (não subalterno), já que Murakami dá pinceladas do não menos doloroso viés da solidão feminina, ainda que de forma implícita, mas fortemente presente, formando um conjunto compacto mas profundo em suas reflexões.
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Os demais contos, ?Yesterday?, ?Sherazade?, ?Kino? e ?Sansa apaixonado? não são ruins; pelo contrário, fecham o conjunto com perfeição e, me parece, um pouco menos emoldurados das pitadas fantásticas que Murakami parece operar em seus romances. Bom livro e sigamos o baile!