Otávio - @vendavaldelivros 08/07/2022
“O leitor leu bem, o senhor ordenou a abraaão que lhe sacrificasse o próprio filho, com a maior simplicidade o fez, como quem pede um copo de água quando tem sede, o que significa que era costume seu, e muito arraigado.”
Último romance lançado com o autor ainda vivo, Caim é mais uma das obras marcantes, polêmicas e encantadoras do português José Saramago. Publicado em 2009, um ano antes de seu falecimento, o livro narra a história do assassino de Abel, sua origem, sua relação com o irmão e, principalmente, sua relação com Deus e com os principais acontecimentos bíblicos do Antigo Testamento.
É sempre um prazer ler Saramago, não à toa o português é um dos meus autores favoritos e de tantas pessoas. Essa é minha segunda experiência com um romance seu que se aventura nas histórias bíblicas. E se em “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” sua acidez e bom humor já eram marcantes, em Caim essas características ficam ainda mais expostas, o que torna o livro até mais gostoso de ser lido.
Na história, narrada por um narrador onisciente e que frequentemente quebra a barreira e se comunica com o leitor, conhecemos a história de Adão e Eva, sua expulsão do paraíso e, consequentemente, de seus filhos, nesse caso em especial, Caim e Abel.
Após o assassinato de Abel pelas mãos do irmão, Caim recebe a marca de Deus e passa a vagar pelo tempo e pelo espaço, estando presente, junto com seu jumento, de importantes passagens bíblicas como a construção da Torre de Babel, o cerco de Jericó, o sacrifício de Abraaão e o grande dilúvio. Em todos esses momentos Caim se destaca, com seu ceticismo em relação à grande bondade de Deus e suas motivações.
É óbvio que a obra tem total influência do ateísmo e das críticas costumazes de Saramago ao Cristianismo e, particularmente, são esses questionamentos ácidos as partes mais engraçadas do livro. Uma crítica que visa a racionalidade de conceitos tão consolidados dentro da religião, mas sempre com o bom humor que só um gênio como Saramago era capaz de fazer. O único defeito é que termina rápido demais, merecia o dobro de páginas.