Davi 12/08/2020
Preciso, embora questionava
O pequeno livro aborda a migração da sociedade da obrigação para a sociedade do desempenho, onde os cidadãos são algozes e explorados de si próprios, o que levaria ao boom de doenças psíquicas, a saber: depressão e Burnout, principalmente. É uma visão, claro, pautada na realidade observada pelo autor e na teia que une nosso Modus Vivendi atual e todo o escopo de personificação do caos e da pressa, como bem apontou Baumann, em seus ensaios sobre o "líquido".
Porém, aqui, vejo que há extrapolações que demandariam muito mais atenção. A própria ideia de que não temos mais uma sociedade da obrigação não se pauta em diversas culturas e suas classes. Isso não se aplica aos trabalhadores do campo e aos empregados domésticos, a exemplo. O interior do Brasil apresenta, e muito, a vivência da obrigação. Não há essa migração total para esse desempenho, na forma que se aponta. Também, por conta disso, a abordagem freudiana utilizada para tentar analogias com toda essa gama de complexidades também é muito limitada e, para mim, não serve de argumento para corroborar a visão do autor. Ainda em questão, cabe ressaltar a visão de que o modelo de mundo imunológico ainda representa sim aspectos atuais: as doenças da mente poderiam ser simbolicamente extrapoladas como situações de autoimunidade, o corpo atacando a si mesmo. Não vejo o mundo imunológico completamente descartado (coisa que o autor faz questão de apontar, em diversos momentos, é quais autores mais atuais estão errados ou limitados, de forma até soberba, em trechos).
A sociedade das doenças mentais envolve muito mais coisa: epigenética, genética, traumas, sensibilidade, mundo externo, neurofisiologia, relações afetivas, cultura etc. Não estranhamente, Andrew Solomon já apontou as subnotificações da depressão em populações de menor renda ou de pessoas em situação de rua. Isso está longe da visão do ente do desempenho aqui traçado (não existe só essa classe média ocidental a sofrer no mundo da depressão). A depressão, claro, tem seu caráter social, mas tem seu caráter biológico. Não é doença moderna, simplesmente. Sem um aprofundamento histórico da medicina e das subnotificações, o texto fica na ponta do iceberg. O psicossocial não encontra-se aprofundado, aqui, mesmo que pelo tamanho da obra: pouco mais de 100 páginas. Há, claro, bons insights, mas bem limitados. Vale pela análise filosófica, embora breve e não tão profunda sobre as doenças da mente e sua relação com nosso modelo socioeconômico atual. Mas é breve, exclusivista, superficial e, portanto, limitada em diversos aspectos. Para uma análise mais profunda da questão, recomendo a visão mais detalhada, pragmática e com análises que englobam o ser em uma magnitude mais completa: O demônio do meio-dia, de Andrew Solomon.