spoiler visualizarM.A.0 27/06/2023
Não foi o que eu esperava
Quando conheci a obra me interessei imediatamente pela proposta da história, era um clássico com o estilo enemies to lovers (ou melhor dizendo lovers to enemies to lovers), o que imediatamente me fez pensar em Orgulho e Preconceito, que eu amo! Então ao iniciar a leitura fui com algumas expectativas, ainda mais diante de certas observações que ouvi sobre a protagonista, uma mocinha independente e a frente de seu tempo, mas acabei me frustrando.
Aurélia era de fato uma moça inteligente, decidida, nobre e espirituosa, entretanto em determinados momentos da histórias ela acabou soando para mim como uma idealização masculina. Ela é sim todas as coisas que citei anteriormente, assim como extremamente bonita, mas ela não foge do padrão esperado de uma mulher naquela época.
A personagem carrega em si muito daquela mentalidade de que a vida da mulher gira em torno do amor, então enquanto a narrativa do Seixas (seu par romântico) se concentra em todo o debate sobre a hipocrisia da sociedade e a evolução do seu caráter, de um mancebo egoísta e superficial a um homem ponderado e de caráter firme, a história de Aurélia se concentra em seu amor por Seixas e os desdobramentos decorrentes dele, ao mesmo tempo em que ela é o catalizador da transformação do marido.
Sem contar que Aurélia parece compartilhar de alguns dos ideias e valores do autor, o qual se identificava com seu personagem Fernando Seixas.
Nesse cenário o único conflito que Aurélia apresenta é a sua mágoa pela imagem idealizada de seu amado ter sido corrompida e o desejo de vingança, que é solucionado quando ela se coloca no final rendida a Seixas, pedindo perdão de joelhos, no mesmo local onde ele se ajoelhou diante dela após o casamento e ela o humilhou.
E esse desejo de Aurélia de ser subjugada e dominada por Seixas devido a um arrebatamento da paixão é exposto em outros momentos da obra de uma forma estranha, como quando ela se compara a Desdêmona quando percebe o ciúme de Seixas, sonhando com uma morte como a dela.
Para aqueles que nunca leram Otelo, Desdêmona é assassinada pelo marido, pois outros personagens vinham armando para que Otelo pensasse que ela o traía e movido pelo ciúmes e pela suposta traição ele a executa.
Não é possível que isso soe problemático só para mim.
Em outros momentos ela também fala como pensou que morreria por conta de sua decepção, até deixando um testamento onde entregava todas as riquezas a Seixas, pois mesmo acreditando que ele era um interesseiro sem caráter ela ainda estava disposta a deixar tudo para ele.
É claro, ela ainda o humilha em determinados momentos da obra, sendo bastante dura com ele (o que não me soou bem em alguns momentos), mas dentre os dois ela é a que mais demonstra o seus sentimentos e também me pareceu ser a que mais tentou (apesar dos recuos) se solucionar com ele ou meramente se entregar a paixão.
Então no fim me parece que Seixas termina com tudo que um rapaz poderia desejar em sua época, uma moça devotamente apaixonada por ele, um bom emprego, um lugar a sociedade (mesmo que ele passe a considera-la hipócrita) e uma fortuna.
Uma ressalva também para mencionar que Aurélia só é reconhecida pela fortuna, então o livro trata mais das questões sociais voltadas para as aparências e o financeiro do que a questão de gênero. Nessa perspectiva as vontades de Aurélia na obra são muitas vezes referidas como capricho e excentricidades.
Todavia, retornando a questão de Fernando, não quero parecer que não valorizo nem um pouco a evolução de Seixas, no início ele era de fato egoísta, superficial e irresponsável, vivendo de luxo enquanto suas irmãs e mãe viviam uma vida humilde, sendo que ele poderia ofertar mais a elas se abrisse mão da vida de aparências. Ele também passa a frequentar a casa de Aurélia, dando esperanças a ela e a sua mãe e apenas se posicionando que não pretendia fazer um pedido quando d. Emília o chama para um conversa séria. Tudo isso me fez pensar em como Aurélia se apaixonou por ele e como ela pôde ser tão compreensiva inicialmente, quando achou que ele a estava trocando por outra por amor e não por dinheiro (Moça, ele ainda tava te enrolando mesmo que fosse por "amor"!).
Entretanto quando percebe que se vendeu ele reconhece o absurdo de casar-se por dinheiro (o que ele faz para recuperar o dote da irmã e se firmar) e de fazer tudo pela boa opinião da sociedade, passando a não usufruir da fortuna de Aurélia e procurando reaver o dinheiro inicialmente dado para o dote da irmã afim de pagar-lhe.
Dessa forma posso dizer que reconheço a evolução do personagem de Seixas e a maturidade que ele adquire, bem como sua paciência, mas senti falta dele pedir desculpas a Aurélia por deixá-la, tendo se retratado apenas pelo casamento de conveniência.
No fim ambos foram muito orgulhosos desde o início do casamento e houve muita enrolação antes do desfecho final, o que trouxe um teor cansativo a vários momentos da história, bem como a escolha narrativa do autor em determinadas partes, por exemplo, eu achei que o tempo passava muito rapidamente no enredo e isso fazia com que certas partes, como de que forma ambos se apaixonaram, fossem perdidas para nós leitores, sendo resumidas a uma frase ou um parágrafo sem detalhes muito profundos.
Entretanto outros momentos da obra eram estimulantes, como determinados diálogos do casal, banhados a ironia e provocações, ou conversas nas quais eles se permitiam se abrir um pouco e era possível vê-los falar sobre emoções ou se mostrarem inebriados um pelo outro.
Essa química do casal, a premissa de que a vingança não gera felicidade, bem como o desenvolvimento de Seixas e certos traços da personalidade de Aurélia, sua inteligência e espirituosidade, assim como sua bondade e retribuição para com aqueles que a ajudaram, como Ribeiro e Abreu, me fazem pensar que a obra tinha potencial para ser mais.