Thiago Barbosa Santos 26/09/2018
Um canto especial
Maria Valéria Rezende é uma das escritoras brasileiras mais celebradas da atualidade. É minha autora predileta da contemporaneidade. Dela já li o excelente ‘40 Dias’, ‘Vasto Mundo’, e agora tive também a oportunidade de ler ‘Outros Cantos’, romance bastante premiado, indicado inclusive ao Jabuti. O livro só reforçou a grande admiração que tenho pela obra de Maria Valéria Rezende.
Em ‘Outros Cantos’ Maria, protagonista do livro, fala de um canto muito especial na vida dela, a cidade de Olho D’Água, que fica no sertão de um local desconhecido, totalmente à margem de qualquer prosperidade social. Passado e presente se misturam nesta história. Maria está em uma viagem de ônibus retornando para Olho D’Água 40 anos depois de sua primeira passagem pelo lugar. Durante o trajeto ela vai recordando todas as histórias que viveu por lá. As dores, as angústias, as dificuldades, a superação e as amizades que fez.
Maria dedica a vida dela ao ensino de base. Foi deslocada no período da Ditadura Militar para Olho D’Água com a missão de alfabetizar adultos naquela região. Ao chegar, foi muito bem acolhida por todos. Um povo humilde, que mesmo na extrema dificuldade, estava sempre disposto a ajudar ao próximo, estender a mão a quem está mais necessitado. Para iniciar a tarefa de ensinar aquela gente, dependia do material e da estrutura física que um vereador prometeu e estava demorando para cumprir. Ela parecia estar esquecida. Mas se fortalecia na amizade principalmente de Fátima, mulher que sustentava sozinha os filhos e a ajudava no trabalho de tear.
Muito tempo depois, o tal vereador finalmente cumpriu a promessa e, mesmo sem as condições ideais, mas suficientes, construiu a escola para que ela pudesse alfabetizar os adultos. No início, os pais queriam que os filhos menores aprendessem, e ela explicava que o método era para pessoas a partir dos 15 anos. No fim das contas, acabou ajudando também a ensinar aos mais jovens.
Maria estava vivendo um sonho em Olho D’Água, trabalhando com o que gostava, alfabetizando aquela gente humilde e também desenvolvendo nas pessoas um pensamento crítico, inspirado no método de Paulo Freire. Em uma noite, assim mesmo, de repente, ela foi acordada pelos moradores que, temerosos, pediam para ela sair urgentemente da cidade, pois ouvia-se dizer que o Exército estava chegando naquela região. Lembremos que era um período de absoluta repressão e não era visto com bons olhos quem estimulava o pensamento crítico.
Enquanto Maria relembrava todos os acontecimentos, ia tendo um reencontro com o sertão, ia ligando o tempo todo o passado e o presente. Este novo sertão que ela encontra ao longo do caminho, 40 anos depois, está modificado, mais ligado “ao mundo lá fora”, onde também chegaram o celular, a televisão e demais aparelhos que fizeram o ser humano mudar o comportamento. Ela estranha bastante isso, mas volta para tentar realizar um sonho que deixou para trás há quatro décadas.