Gabriel 09/03/2021
Uma vida sem apelações
“Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder." - Albert Camus.
Camus nos apresenta neste livro, sua filosofia do absurdo. Diante de um mundo completamente desprovido de sentido, silencioso frente as reinvindicações de sentido feitas pelo homem que anseia pelo absoluto e pela unidade, vale a pena continuar vivendo? Para Camus, a resposta é sim.
Nossa consciência é desperta pelo cansaço, que por sua vez vem de uma pergunta que todos nós nos fazemos com alguma frequência: por quê? É esse cansaço que desafia a vida mecânica do homem, que vive todos os seus dias como se fosse eterno, sem se questionar sobre o proveito que tira de sua vida; o homem vive para o amanhã, sendo que o amanhã traz uma única certeza: sua própria morte. E é desse despertar da consciência que podem prover duas consequências: suicídio ou restabelecimento.
Para Camus, o suicídio físico não é uma solução, ele apenas atesta que o homem foi superado pelo absurdo, representando o mais elevado estado de aceitação possível. E o homem absurdo não aceita, ele se revolta. Uma revolta consciente que o acompanha por toda a sua vida, uma revolta que não é o mesmo que o desespero; uma recusa a aceitação da falta sentido que não é o mesmo que a renúncia da vida e uma insatisfação consciente que difere da inquietude juvenil. O homem absurdo não quer uma explicação e uma solução. O homem absurdo quer experimentar e descrever, aceita sua condição absurda, mas não se resigna diante dela, recusa a esperança, os projetos de vida; se basta com o que tem em uma revolta sem futuro.
O homem absurdo é o contrário do suicida: é um condenado a morte, pois é este que, ao mesmo tempo em que possui consciência de seu fim próximo, recusa a morte. O homem consciente do absurdo de um mundo sem sentido, quer esgotar suas possibilidades. Não quer viver melhor, quer viver mais, pois a única forma fundamental de liberdade, é a liberdade de ser, que cessa com a morte; sua liberdade é a prazo. Se o futuro não lhe pertence, o que lhe resta é viver.
Viver. Viver aceitando as regras do jogo. Viver buscando a intensidade de cada momento. Viver buscando a vida nas esquinas, nos finais de tarde ensolarados ou em uma agradável noite de outono. Vive sem negar o eterno, mas sem fazer nada por este. O que vale para o homem absurdo é o presente, é o estar presente. Não coleciona, pois, não se apega ao passado. Não se ilude, pois, a ilusão e a esperança são pequenas mortes para o homem ciente da absurdidade da vida. Ciente que não pode se livrar do tempo, se torna unha e carne com ele.
Aceitar o absurdo é negar de um lado e exaltar do outro. É ser ciente o tempo todo de seus limites, de sua finitude. É buscar o gosto da vida em cada momento que se faz presente, é viver uma paixão sem amanhã, desprovida de futuro ou de qualquer esperança.
Aceitar a filosofia de Camus, é se revoltar contra a morte. E fazer dessa revolta sua força de viver. Em tempos contemporâneos, onde a busca desesperada por um sentido que vá além do homem e do tempo presente é crescente, onde pessoas anseiam cada dia mais por respostas simples, totalizantes e que expliquem tudo (verdadeiras caixas de fósforos que as livram da necessidade de suportar a complexidade e os paradoxos do mundo sozinho), Camus nos apresenta uma filosofia de vida que nos livra de apelações, que faz do homem o senhor de seus dias, que vive o presente buscando esgotar suas possibilidades no agora, sem esperançar pelo amanhã, sempre consciente de sua condição absurda em um universo ardente e gélido ao mesmo tempo, onde sua inteligência limitada é ultrapassada pela realidade do mundo.