spoiler visualizarcaio.lobo. 02/08/2020
A "primeira" obra literária clássica da humanidade.
O spoiler não é pelo fim do livro, pois para o antigo não importava chegar no fim de uma leitura para o clímax, mas respeito quem hoje tem esse vício, apesar que o final não tem nada de mais e nem parece fim.
A versão que temos em mãos da epopéia é mais recente, por volta de 1300 anos antes de Cristo, mas os vestígios mais antigos de trechos anteriores são de 2100 e 2700 anos antes de Cristo. Apesar de ter desaparecido após o desaparecimento de sumérios e babilônios, ficando totalmente desconhecido já nos primeiros séculos de nossa era, mas foi redescoberto no século XIX, ou seja, recentemente. Mas mesmo estando desaparecido, como pode ser um clássico? É justamente um clássico por permanecer como obra difundida por mais de 2000 anos e é clássico por ter influenciado outros clássicos, como a Bíblia e Homero. É a mais antiga jornada do herói, o relato do dilúvio mais velho que temos, o amor entre Gilgámesh e Enkídu muitas vezes lembra o amor de Davi e Jonatas.
Gilgámesh é um rei semi-divino, mas por ser tirano com seu povo os deuses resolvem criar um humano forte como ele para poder se distrair. Criam Enkídu, humano selvagem em contraste com Gilgámesh civilizado (como os sumérios eram os primeiros homens civilizados certamente viam outros homens ainda em estado selvagem). Gilgámesh fica curioso e decide trazer Enkídu para seu reino com auxílio de uma prostituta sagrada que seduz o selvagem abrindo sua vagina para ele. Apesar do mal cheiro e dos muitos pêlos no corpo do homem, a prostituta ensina as artes do sexo por sete dias e o ensina a tomar cerveja, marca da civilização. Então ele abandona seus amigos animais e vai viver na cidade onde aprende a see civilizado com Gilgámesh.
Os dois resolvem lutar, e Gilgámesh se surpreende com a força bruta de Enkídu, e numa batalha sem vencedor os dois se tornam grandes amigos e há momentos homoeróticos entre os dois. Eles resolvem sair para se aventurar, matam um demônio e inclusive o touro do Céu (constelação de touro). Tudo vai bem até que um dia Ishtar, com desejos sexuais sente atração pelos dois homens e tenta seduzí-los, mas como eles estão ocupados em seu heroísmo a recusam. Inconformada, Ishtar, deusa do amor e da guerra, resolve reclamar para seus pais, os deuses Anunakki, mas é ignorada sendo retratada como uma deusa mimada. Ela faz uma chantagem e pede para que um dos dois heróis morra, ou então vai abrir as portas do mundo dos mortos e causar o caos. Sem ter o que fazer, os deuses resolvem matar Enkídu. Ele adoece e no seu leito de morte amaldiçoa Ishtar, todos os deuses e até a prostituta que o civilzou. Quando retorna a si sente remorso por amaldiçoar a pobre prostituta, que de certa forma o ajudou a conhecer os prazeres da vida, e a abençoa, com a bênção de que um homem se apaixonará por ela e abandonará tudo na vida (uma afronta contra Ishtar, pois a prostituta vai obter o que ela não obteve).
Enkídu morre e Gilgámesh entra em desespero, chora por dias em cima do corpo do amigo, até que o corpo começa a apodrecer, então ele se lembra que é parcialmente homem e é mortal, se lembra que irá morrer e entra em pânico. Busca pela imortalidade, vai para todos os cantos do mundo e até do outro mundo, encontra até o "Noé" sumério que lhe conta a história do dilúvio e com isso encontra a imortalidade. Este lhe dá a planta da imortalidade para Gilgámesh, mas que perde na volta da viagem em um momento de sono, uma serpente lhe rouba a planta. Entra em desespero novamente, mas logo se conforta, lembra das marcas da civilização de sua cultura, pode aproveitar a vida e ainda que seja tudo vão e efêmero ainda tem sua cerveja, a marca da civilização.
Por fim um dia decide entrar no submundo, o mundo dos mortos. Recebe o conselho de não se vestir bem, não se perfumar, se ver a mulher que amava no reino dos mortos não devia beijá-la e se visse a mulher que odiava não devia bater nela, só assim entraria desapercebido no reino dos mortos. Aí vem a parte cômica, Gilgámesh faz tudo ao contrário, vai bem vestido e perfumado, quando vê a mulher que amava a beija e quando vê a mulher que odiava bate nela. Mesmo assim consegue chegar no reino dos mortos e encontra Enkídu e matam a saudade um do outro e se abraçam. Ali ele descobre a tristeza que resta para os mortos e como Enkídu não pode descansar, não pode fazer sexo por não ter mais pênis e nem amar por não ter mais coração. Esse é o fim monótono de tudo. Mas Gilgámesh se torna um sábio, pois andou o mundo todo, o submundo, o reino celeste e até sobre o abismo das águas primordiais e sepulcrais. Essa sabedoria se reflete no início do poema:
"Ele que o Abismo viu, o fundamento da terra,
Seus caminhos conheceu, ele sábio em tudo,
Gilgámesh que o Abismo viu, o fundamento da terra,
Seus caminhos conheceu, ele sábio em tudo"
(Este abismo representa o vazio primordial, mas também o vazio existencial, onde tudo é passageiro e tudo acaba, inclusive o próprio Gilgámesh, é o vazio o fundamento da existência e é esde vazio que o torna sábio)
Continua:
"Explorou de todo os tronos,
De todo o saber, tudo aprendeu,
O que é secreto ele viu, e o coberto descobriu,
Trouxe isso e ensinou, o que antes do dilúvio era."
Só depois de tudo descobrir que ele viu sua insignificância, o nada do pós-morte e até os medos que os deuses sentem. Aceitando sua insignificância que ele se torna grande, maior que os deuses até, pois a única atividade dos deuses é descansar de dia e dormir de noite.
-Uma edição muito boa, a tradução é bem explicada com várias notas no fim (leia o capítulo e já em seguida as notas). Apesar de não concordar em todas as notas de Jacyntho Lins Brandão, ele tem um excelente conhecimento e muitas fontes sérias e mostra todas elas. Agradeço ele por facilitar a leitura e agradeço principalmente Sin-léqi-unnínni, o poeta compilador do mito que viveu há mais de 3500 anos atrás, esse ilustre desconhecido.