Alle_Marques 06/10/2022
“Até os pássaros e os ratos podem te ouvir sussurrar.”
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“Eu não estava sonhando com liberdade quando fugi da Coreia do Norte. Eu nem mesmo sabia o que significava ser livre. Tudo que sabia era que, se minha família ficasse para trás, provavelmente morreríamos — de inanição, de alguma doença, das condições desumanas de um campo de trabalho para prisioneiros. A fome tornara-se insuportável; eu queria arriscar minha vida pela promessa de uma tigela de arroz.”
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É difícil escrever uma resenha a altura dessa obra e da experiencia que foi ler ela, é um livro arrebatador e atordoante, cruel, surpreende, doloroso e revoltante, é difícil de acreditar na quantidade de sofrimento que uma única pessoa pode passar graças ao egoísmo dos outros, difícil de acreditar que coisas tão absurdas quanto as retratadas aqui ainda acontecem hoje em dia, ainda possam estar acontecendo neste exato momento, é revoltante ver tanta gente ruim se aproveitando de quem já sofre e sofreu tanto, pessoas que só queria viver, só queriam liberdade, só queria ter o que comer todos os dias, só queriam paz, e se é tão difícil escrever uma simples resenha sobre, imagine ler e ter acesso a cada detalhe exporto ali, e se é tão difícil ler e escrever, imagine passar por essas coisas, imagine estar diante disso e acima de tudo, se dói em nós apenas lendo, imagine nela que viveu.
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“Nós nos contamos histórias para poder viver”
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É uma escrita simples, porém profunda, consegue ser imersiva e detalhista sem ficar maçante, ela consegue expor os contextos e atai a atenção falando pouco, além de dar vida a suas memorias, manifestar suas emoções e expressar seus pensamentos de maneira quase palpável, logo vemos que seu talento para a escrita não é desperdiçado em momento algum, ela coloca tudo de si em sua obra, sua alma está toda ali e vemos isso mais e mais a cada página virada, sua personalidade é justamente uma das coisas mais marcantes e que mais me surpreendeu durante a leitura, mesmo o livro sendo do início ao fim um relato sobre a fome, a angustia, o sofrimento, os abusos, o medo e a miséria, ainda assim sua personalidade exala esperança, confiança e determinação, tanto que o livro não cai na melancolia e não fica no abatimento por muito tempo, a Yeonmi parece sempre encontrar uma nova forma de lutar, parece sempre busca um novo caminho para seguir, uma nova forma de lidar com as situações e isso só demonstra que nada é mais forte e pulsa com mais intensidade em um ser humano do que a ânsia por liberdade e o desejo por uma vida melhor.
O que Yeonmi, sua mãe e irmã passaram, o que viram, o que viveram é assustador, é chocante, e não só por vermos que isso ainda acontece hoje em dia, mas justamente por percebermos que não se trata de algo raro ou um caso isolado, é algo que aconteceu, está acontecendo e ainda vai acontecer com milhares de pessoas, milhares de meninas e mulheres, não só norte-coreanas, mas do mundo inteiro, a fome, o medo e o desespero, são, infelizmente, coisas comuns no mundo, o autoritarismo é muitas vezes a causa disso e a fuga é uma possível solução, ninguém escolhe isso, a fuga nunca é uma escolha, é sempre uma consequência, muitas vezes é a única saída possível e para muitos a única opção, é isso ou a morte, seja pelo governo, inanição, doença ou guerras, e por isso temos que ter tanto cuidado em como enxergamos e lidamos com essas pessoas, sejam eles refugiados, imigrantes ou emigrantes, essas pessoas estão vulneráveis, precisam ser acolhidas e inseridas na sociedade de maneira produtiva e respeitosa, de quanto sofrimento ela e sua família teriam sido poupados se tivessem disso acolhidos logo de cara, tanto na China quanto na Coreia do Sul?!
Não consigo nem imaginar a força que Yeonmi Park precisou ter pra escrever esse livro e nem a coragem que precisou para permitir que ele fosse publicado, e é justamente por isso que histórias como as dela precisam ser contadas, precisam vir a público, é uma maneira de incentivar outras pessoas a contarem suas histórias, de dar visibilidade a elas e mostrar que, assim como a Yeonmi, elas são muito mais do que suas cicatrizes, suas dores e seus sofrimentos, são pessoas com sonhos, vontades e desejos, é uma maneira de abrir os olhos das pessoas para os horrores e absurdos que estão acontecendo bem em baixo de seus narizes, além é claro, de conscientizar sobre a real Coreia do Norte, fora do espetáculo midiático que os jornais e noticiários fazem, conscientizar sobre a realidade por atrás do que vemos na televisão, nos filmes e nos documentários, a Yeonmi aborda seu país, o governo, a população e até mesmo a história de sua pátria de maneira muito crua e realista, mas sem ser indiferente, apática e nem insensível, pelo contrário, há muitos sentimentos ali, muitas saudades, muita nostalgia, até mesmo um certo apego por sua terra, e isso pode parecer estranho pra nós e até mesmo absurdo e chocante para alguns, mas não há nada mais coerente com nossa natureza humana e nossa ânsia por pertencimento do que sentir falta de casa.
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“Sou muito grata a duas coisas: ao fato de ter nascido na Coreia do Norte e ao de ter escapado da Coreia do Norte. Esses dois eventos me configuraram, e eu não os trocaria por uma vida comum e pacífica.”
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13° de 2022
Desafio Skoob 2022