LucasDonato 26/05/2021
Quando o Estado deturpa sua função de proteger e garantir os direitos básicos dos seres humanos e passa a ser o próprio violador de tais direitos, o medo se torna um companheiro constante. E essa é a realidade de lugares como a Coreia do Norte. Nesse livro autobiográfico, Yeonmi Park narra sua jornada de sobrevivência e de sua família sob o regime ditatorial e repressivo do até então líder norte coreano Kim Jong-il, representante de uma dinastia que se estende há décadas e mantém mais de 25 milhões de pessoas sob condições extremas de vida, enquanto prega a total lealdade ao sistema vigente.
“Na Coreia do Norte, não basta ao governo controlar aonde você vai, o que está estudando, onde trabalha e o que diz. Eles precisam controlar você em suas emoções, fazendo de você um escravo do Estado ao destruir sua individualidade e sua capacidade de reagir a situações com base em sua própria experiência do mundo.” (p. 64)
“Havia tantas pessoas desesperadas nas ruas gritando por ajuda que você tinha de endurecer o coração, ou a dor seria demasiada. Depois de algum tempo, você não tem mais como se importar. E é com isso que o inferno se parece.” (p. 72)
Em 2007, após não mais suportarem as péssimas condições em que viviam, Yeonmi, com apenas 13 anos de idade, e sua mãe decidem se arriscar e empreender uma fuga em direção à China, ainda que houvesse o risco de serem capturadas e presas. De tal manobra, acabam sendo vítimas numa rede de tráfico humano, onde são vendidas para exploração sexual e trabalho escravo, além do terror constante de serem denunciadas e deportadas de volta à Coreia do Norte.
Após mais um período de inúmeras provações e contando com uma ajuda inesperada, surge a possibilidade de melhores condições na Coreia do Sul e, embora temerosas, Yeonmi e sua mãe mais uma vez se arriscam, atravessando o deserto da Mongólia, e chegando a fronteira sul coreana. Após um longo período de adaptação como refugiadas, ambas finalmente conseguem sua identificação como cidadãs. Yeonmi, que teve que aprender do ensino educacional mais básico, e superando todas as expectativas, graduou-se na universidade e tornou-se ativista dos direitos humanos, sendo uma grande porta voz de todas aquelas pessoas que ainda vivem em situações de miséria e fome no seu país natal.
Definitivamente esse livro não traz uma leitura leve ou fácil, e ao mesmo tempo que admiramos a coragem e resiliência de Yeonmi perante tudo o que ela passou com apenas 13 anos de idade, é impossível não se chocar em saber que tanta fome, morte e miséria faz parte do mundo contemporâneo em que vivemos.
E até quando? Por que não há nenhum tipo de intervenção internacional em locais como a Coréia do Norte? Por que não há a responsabilização de seus líderes por tantas atrocidades?
Leitura extremamente necessária.