Helder 27/10/2016Uma criança "criada" por HitlerComo é bom quando lemos um livro assim. Simples, criativo, inteligente e muito bonito. Da vontade de convencer o mundo a lê-lo também.
O Menino no Alto da Montanha é um presente escrito por John Boyne e me conquistou logo pela sinopse.
Pierrot, é um bom menino nascido na França após a primeira guerra mundial. Sua vida de criança é tranquila, junto com seu amigo surdo judeu que adora escrever. Porém, ao ficar órfão de seu pai alemão e de sua mãe francesa ele é encontrado por uma tia alemã, que o leva para morar com ela em seu local de trabalho. Só existe um problema em seu trabalho: Ela é governanta. Onde? Na casa de campo de Hitler, conhecida como Ninho da Águia que realmente existe até hoje na Áustria. E assim, de repente, com 7 anos, Pierrot encontra-se morando na casa do Fuhrer. E ali existem perigos difíceis de perceber para uma criança nessa idade.
Logo ao chegar, a tia lhe explica que muitos cuidados devem ser tomados, O primeiro deles é ele mudar de nome. Pieter é uma versão mais alemã de seu nome. Outro ponto problemático que precisa ser cortado são as cartas trocadas com o amigo judeu, que passa a descrever cada vez mais a invasão nazista e perseguição a judeus em Paris.
Ao chegar à casa, Pierrot é um menino que está sempre apto a ajudar e se sente importante sendo útil. Porém, com o tempo nossos olhos começam a perceber um processo de transformação. Em sua ingenuidade, Pierrot vai se transformando em Pieter e passando a ver o Senhor da casa como um exemplo a ser seguido. Tudo em nome da pátria! E aí tudo é valido, e o conceito de certo ou errado passa a ser outro. Vale a pena machucar pessoas em nome de seu país.
John Boyne tem um talento incrível para mostrar o mundo cruel girando ao redor da inocência, mas aqui, diferente de seu livro de maior sucesso, esta inocência vai se deteriorando e sentimos a dor de acompanhar esta triste mutação. Sempre baseado em seu “exemplo de pessoa correta, Hitler”, Pieter vai se tornando um menino egoísta e egocêntrico, achando-se o braço direto de Hitler e acreditando ter direitos diferentes de todos os outros moradores da casa. O menino sempre apto a ajudar passa a acreditar que deve servir somente a Hitler, e deve ser servido por todos, mesmo que para isso precise humilhar pessoas que lhe estenderam a mão.
Neste ponto o autor nos faz pensar em como uma criança pode ser moldada por um adulto. É possível que uma criança tenha princípios ou consiga agir completamente diferente daqueles que as educam? Ok, Boyne pega pesado e coloca Hitler como este “educador”, mas é possível trazer para nossa realidade e nos fazer pensar o cuidado que devemos ter para educar nossos filhos, pois o que fazemos com certeza servirá de exemplo e em muitos casos, até de objetivo de vida destes pequenos. Dia a dia estamos moldando o caráter destas crianças
Outro ponto que deixa a leitura muito interessante é que esta transformação vai acontecendo em paralelo a fatos históricos. Boyne mistura diversos fatos reais com sua estória romanceada e torna tudo extremamente crível. E viajamos junto com ele na imaginação. Como seria ganhar um uniforme do próprio Hitler? Ou presenciar conversas políticas com grandes líderes como o Duque de Windsor, que contrário a seu país, resolveu conhecer Hitler, por quem foi assediado? Ou participar de uma reunião onde se discute a arquitetura dos primeiros campos de concentração?
Para Pieter estes são fatos corriqueiros, e participar de tudo isso, nem que seja só como ouvinte, o tornam um menino extremamente orgulhoso e arrogante. Por mais que nunca tenha ido ao front, ele se sente participando da guerra em uma posição especial, já que está “ao lado” de Hitler.
E ai vem a dúvida: O mal nasce com a gente ou pode ser gerado? É fácil destruir a ética de uma pessoa? Se Hitler conseguiu mexer com a cabeça de um país, o que não seria capaz de fazer com um garoto órfão com necessidade de aprovação.
De acordo com Boyne, algumas pessoas, um dia percebem seus erros e precisam lidar com este peso, e nem sempre existe redenção. E os erros cometidos por Pierrot são enormes e com certeza o marcarão para toda a vida. Que vontade que temos de evitar que ele siga estes caminhos, pois sabemos que não terão volta e que as marcas serão enormes.
Acho ainda, que outros autores teriam escrito um livro mais pesado, mas Boyne consegue nos mostrar a crueldade em pequenos detalhes. Uma mão leve, mas extremamente eficaz.
O final do livro é muito especial e nos traz um pequeno alivio. A história foi contada como devia ser.
Lindo! Para ficar pensando após terminar a leitura.
Recomendo!