Amanda Vaz 31/01/2024
Os diversos "eus" que nos constituem
Em Orlando, acompanhamos a vida do personagem homônimo ao longo dos quatro séculos que abarcam 36 anos da sua vida. Transitamos com ele/ela entre os seus diversos "eus", testemunhamos sua transformação sexual, seus conflitos e paixões, compartilhamos seu prazer pela literatura, nos vemos envolvidos pelas suas reflexões a respeito da vida e adentramos as mudanças ocorridas na Inglaterra ao longo de 400 anos. Tudo isso permeado pela incrível capacidade da Virgínia Woolf em abordar questões de gênero, de identidade, sociais e temporais de forma, ao mesmo tempo, satírica e reflexiva.
É sempre um desafio ler Virginia Woolf. É um exercício constante de recobrar a atenção para não começar a divagar e, assim, entrar em um modo de leitura automática, o que acontece com frequência com as obras da autora, tornando as leituras mais longas do que o esperado.
É sempre um desafio ler Virginia Woolf, mas é, também, recompensador. Está você no meio de algo que parece não entender, questionando o que está posto, quando de repente, uma frase tão bem escrita e bonita te emociona e te faz questionar "eu realmente preciso entender tudo quando posso sentir isso?". Essa é a experiência de ler Virginia Woolf para mim.
A citação a seguir traduz o que tentei escrever no parágrafo acima, é simplesmente SUBLIME: "E assim, por alguns segundos, a luz continuou se tornando cada vez mais clara, e ela viu tudo com clareza cada vez maior, e o relógio batia cada vez mais alto, até que ocorreu uma terrível explosão bem no seu ouvido. Orlando deu um pulo como se tivesse recebido um golpe violento na cabeça. Foi golpeada dez vezes. Na verdade, eram dez horas da manhã. Era dia onze de outubro. Era 1928. Era o momento presente." (p. 268). Eis um livro que definitivamente vale a pena ser revisitado futuramente.
Deixo aqui um adendo: li o físico pela edição da Martin Claret, porém quando dispunha apenas do Kindle, era a versão da Penguin Companhia a que lia e o trabalho dessa última em termos de contextualização, referências entre a obra e a vida da Vita, assim como de outros tópicos, de modo geral, é infinitamente superior (embora haja na edição da Martin Claret uma explicação pela escolha de não preencher o livro com notas de rodapé, então fica a critério de preferência de leitura mesmo).