Larissa.Manucci 24/02/2022Vamos Comprar um poeta foi escrito por um autor português chamado Afonso Cruz e publicado pela Editora Dublinense. Foi uma das melhores surpresas que eu tive com um livro.
Ele é uma fábula distópica de apenas 100 páginas e logo no começo já percebemos que seu título não é figurado (como eu esperava) e sim muito literal. Trata-se de uma crítica ao consumo desenfreado, ao tempo apressado em que vivemos e a cultura do utilitarismo, na qual tudo precisa ter uma função e propósito. O livro trás essa sociedade na qual tudo é considerado uma transação comercial, na qual tudo é quantificado. Desde as relações interpessoais, a alimentação e até os sentimentos e emoções. Tudo é contabilizado, a pressão de um abraço, a quantidade de saliva em um beijo, o número de batimentos cardíacos da pessoa... A principal saudação é crescimento e prosperidade.
Cada pessoa é designada com uma combinação de números e letras, ao invés de um nome propriamente dito, já que isso traria esse tom mais pessoal. Todos os objetos, roupas e alimentos possuem uma marca patrocinadora, como se tudo fosse uma espécie de outdoor.
Nesse mundo distópico, os artistas podem ser comprados como se fossem animais de estimação. É possível ir em uma loja e comprar um pintor, um escultor, um poeta... Todos esses artistas são considerados inúteis e não geram renda, os chamados inutilistas. Em um certo dia, durante o jantar, a menina da família resolve que quer um poeta, o pai então vai a uma loja e compra um poeta para a família. No início a menina se mostra cética e crítica, mas aos poucos as falas e frases do poeta acabam fazendo com ela reflita e comece a entender o sentido figurado das coisas, as metáforas e “as mentiras”. E é assim que a mentalidade da menina começa a tomar outros caminhos. É interessante ver como o poeta remete ao mundo “normal”, suas roupas não possuem marcas e ele não tem essa preocupação de quantificação e nem de precisar ver a utilidade de cada coisa que faz e fala. É aqui que vemos essa ideia principal do livro, vemos como a cultura molda o mundo e é responsável por deixar o mundo tão literal.
Essa crítica do livro, apesar de possuir um tema pesado, é tratada de forma leve e com um tom jocoso, como se fosse uma piada. A cultura é vista como ameaçadora por muitas pessoas e se não fosse importante, não teríamos tentativas de incêndios a bibliotecas, não teríamos queimas de livros e nem generais como, Göring, que ameaçam apontar uma arma diante da cultura. Essa reflexão do autor é muito importante e me fez pensar muito, principalmente em relação a essa questão de tentar achar uma utilidade para tudo o que faço e a pressa que temos para fazer todas as nossas atividades.
É uma leitura muito leve, gostosa, rápida e necessária. Recomendo demais!