Fabio.Nunes 30/05/2024
Mas já, Santomé?
A trégua - Mario Benedetti
Editora: Alfaguara, 2007
Este livro aqui entra seguramente naquele rol de livros curtos, mas que parecem calhamaços pelo tanto que dizem.
Publicada em 1960, a obra é escrita em formato de diário por Martín Santomé, um homem resignado e um tanto apático de 49 anos que espera sua aposentadoria aos 50.
"Às vezes penso o que farei quando toda minha vida for domingo."
Santomé escreve seus pensamentos e os acontecimentos de sua vida ao longo de um ano, iniciando de uma maneira desanimada sobre suas expectativas futuras. Relata-nos sobre suas relações um tanto difíceis com seus três filhos, com sua viuvez, com o trabalho, com os colegas de trabalho, com amigos queridos e não tão queridos assim, enfim, esta é uma obra sobre relacionamentos.
E é aqui onde ela se destaca. Benedetti cria um personagem que escreve com tamanha honestidade e perspicácia que fica muito difícil crer tratar-se de uma ficção aquilo que a gente lê.
Num texto direto, com pitadas de críticas e humor ácido, vamos nos tornando bons conhecidos do protagonista, vendo nele as várias nuances das contradições humanas.
A história se desenrola até que ele conhece Avellaneda, uma jovem de 24 anos que é contratada para a equipe que ele chefia. Este encontro muda sua vida – mostrando-lhe as possibilidades do amor, do amar e do viver.
A narrativa então vai singrando pelas reflexões cindidas e complexas que envolvem um relacionamento entre pessoas com grande disparidade etária.
"'Mas o senhor ainda é um homem jovem!' Ainda. Quantos anos me restam de 'ainda'? Penso nisso e me dá pressa, tenho a angustiante sensação de que a vida me foge, como se minhas veias se tivessem aberto e eu não pudesse deter meu sangue."
"Temos de nos apressar em direção ao encontro, porque, em nosso caso, o futuro é um inevitável desencontro."
A obra ganha uma nova camada de beleza enquanto vemos a inexorabilidade do amor acontecer.
"Levantara-se assim mesmo, embrulhada na manta, e estava junto à janela, vendo chover. Eu me aproximei, também olhei como chovia, e por alguns minutos não dissemos nada. De repente, tive consciência de que aquele momento, aquela fatia de cotidianidade, era o grau máximo de bem-estar, era a Ventura."
Para evitar spoilers, vou concluir que só entendemos o título do livro no seu final – e que final…
No mais, registro o agradecimento a uma das melhores resenhistas desse Skoob, e responsável pela indicação dessa ótima leitura. Obrigado, Flávia Menezes.
P.S: Sério, gente, vocês sacaram que o maluco vai se aposentar aos 50?! Aos 50!