Nicolas Rodeghiero 19/06/2024
Certa vez, num banheiro público, havia uma resenha:
E foi assim, que apenas no meu segundo livro lido de sua autoria, o Raphael Montes se tornou um dos meus autores favoritos. Simplesmente genial. "Jantar Secreto" é um grande presente e uma leitura obrigatória aos amantes do horror, por mais que passeie por vários gêneros e subgêneros durante a sua jornada.
Imagine só: quatro jovens adultos, amigos de infância, vindos do interior do Paraná para estudar e construir suas vidas no Rio de Janeiro. Alugam o apartamento perfeito, os anos se passam, e por conta de um imprevisto, dão de cara com uma dívida de quase trinta mil reais. Depois de muito desespero e discussão, decidem levantar essa grana organizando jantares que são, digamos, um tanto quanto excêntricos.
Essa é a premissa inicial da obra, e podem confiar em mim quando digo que não é necessário saber mais do que isso. É daquele tipo de história que quanto menos você souber, melhor. A experiência de ir se aprofundando aos poucos naquele grupo de amigos, as vezes até se sentindo parte dele, é única. O talento do autor para construir personagens é algo admirável, cada um deles com a sua própria personalidade, princípios e dramas pessoais. São inconfundíveis e marcantes.
Além do mais, as críticas sociais estão sempre presentes nas entrelinhas. Principalmente nos mostrando o tempo todo o quanto somos hipócritas ao acharmos as situações contidas na trama chocantes, enquanto ignoramos e aceitamos toda a crueldade que existe com as outras espécies de animais ao nosso redor. É uma mistura de humor negro, gore, mistério e que ainda nos faz refletir sobre nossas atitudes e do que seríamos capazes de fazer no lugar deles. E impressionantemente, isso funciona muito bem em conjunto.
O fato de tudo acontecer no Brasil, torna tudo ainda mais interessante. É diferente de quando consumimos literatura estrangeira e damos de cara com todos aqueles nomes estranhos e difíceis de interpretar. Aqui, nós realmente conhecemos os lugares citados, ou ao menos já ouvimos falar sobre. Assim, nossa imaginação consegue fluir ainda mais, criando os detalhes de cada cenário e ambiente. A experiência se torna mais pessoal e concreta.
Algo que também me chamou bastante a atenção foi a quantidade de conteúdo adicional que existe ao longo da leitura. Não são apenas uma sequência aparentemente infinita de palavras como estamos habituados. Aqui, temos páginas com receitas culinárias, convites, cartões de visita, e-mails, tabelas de preço, cartas, e até um capítulo inteiro formado por uma conversa de WhatsApp. É o tipo de detalhe que mostra o quanto tudo foi pensado e executado com capricho e carinho.
A quantidade de referências à cultura pop, que tanto amamos, também é admirável. Com certeza, assim como eu, você também vai identificar várias delas enquanto lê. Algumas citações são diretas, como no caso de músicas e cantores que são mencionados em algumas cenas. Já outras que podem passar despercebidas, são tratadas de forma mais superficial e interpretativa, fazendo uma homenagem aos clássicos da literatura e cinema de horror, como Carrie e The Texas Chainsaw Massacre.
Já no ato final, o clima vai pesando cada vez mais. Quando achar que a situação não pode piorar, vai por mim, pode sim. Senti o plot twist vindo de longe, e isso me fez teorizar as coisas mais absurdas e sem sentido na minha cabeça. Mas, no fim das contas, acabei sendo surpreendido com algo que eu não esperava de forma alguma. Foi aquele tipo de conclusão que me fez fechar o livro e ficar refletindo olhando para o nada por uns bons minutos enquanto me sentia a pessoa mais otária do mundo.
Talvez não seja uma leitura tão recomendada para pessoas que se impressionam fácil. Mas, é essencial para os amantes do terror que já estão acostumados, e me arrependi de não ter iniciado ela antes. É o tipo de obra que não deixa pontas soltas, então se um elemento foi apresentado, pode ter certeza de que vai ter utilidade lá na frente. Além de ser fluida, intrigante e prender o leitor desde as primeiras páginas até as últimas. Mais um favoritado, e com certeza vou carregar as memórias do Dante e da Cora comigo.
"Sem o gosto das coisas, a vida é uma miséria, Dante. O paladar é o único sentido isento das questões éticas que governam os demais. Imagine um performer que mutila um animal numa galeria de arte ou um músico que tortura um animal, porque acha o som agradável... Casos impensáveis! Ainda assim, há anos, nós matamos, mutilamos e torturamos animais simplesmente porque eles são saborosos. As pessoas toleram muito sofrimento em sua comida. Em nome do paladar, tudo é possível, meu amigo."