Well 28/04/2022
Jornada incrível, reflexões profundas. Perfeito.
Esse livro conta uma daquelas histórias magníficas, dolorosas. Com a narrativa em terceira pessoa que te deixa mal depois que você a termina. Durante a leitura da vontade de estar junto dos personagens e ajudá-los de alguma forma ou começar a se alimentar de alimentos enlatados, para acompanhar os personagens e dividir com eles. Acompanhar o calvário deles é uma tarefa ingrata, mas que acompanhamos até o final esperando que no final exista um raio de esperança para eles, mesmo que tudo indique que não há. Cormac McCarthy deixa isso claro desde o começo, mas nos enganamos a cada etapa da história imaginando que algo pode acontecer a eles e mudar seu rumo.
Um ponto super negativo para mim é que o autor não gosta da separação por capítulos. A história corre direto e sem parar. Vai em um fôlego só. A escrita do autor também é diferente, da maneira como ele constrói o parágrafo até a sua formação de diálogos. Para mim, cada parágrafo parece ser uma cena acontecendo, isso porque ele separa bem os parágrafos formando quase subseções. Ao mesmo tempo, me passou a impressão de que cada parágrafo acontece no ponto de vista ora do Homem, ora do Menino. A narrativa segue em terceira pessoa, mas sempre estamos com os dois personagens da narrativa. A escrita é bem seca e muitas vezes crua. Como realmente deve ser, já que passa num mundo pós apocalipse.
O autor foi genial ao desumanizar os personagens. Nenhum personagem recebe um nome na história. Nem mesmo os protagonistas que são conhecidos apenas como o Homem e o Menino. Mesmo aquele que dá seu nome, na verdade é um nome falso para andar na estrada. Esse recurso foi usado pelo autor para transformar todos em sobreviventes. Dentro daquela nova realidade, nomes não possuíam a menor serventia. Assim como o homem em desteminado momento da história, como a se perguntar que as lembranças do velho mundo são reais? ou são apenas ilusões? Isso sem falar nas ações dos humanos remanescentes que de humanas não tinham absolutamente nada. Claro que se formos pensar, a visão de Cormac sobre como a humanidade iria sobreviver diante de tais circunstâncias é bem pessimista, mas sabe-se lá o quanto ele está distante da realidade.
Em alguns momentos é preciso ter estômago para encarar a narrativa. Os leitores que tem dificuldades com determinados tipos de cenas que temos situações de canibalismo, violências físicas e sexuais, em um momento específico, absurdas e total falta de humanidade. A história coloca o leitor diante dos seres humanos em seu lado mais obscuro possível. Assim como a escrita do autor é crua, os personagens são violentos, covardes e aproveitadores. A jornada dos dois personagens é difícil e nas poucas oportunidades que eles tem de interagir com outros seres humanos, estes demonstram ser horríveis.
Ambos os personagens são complexos e demonstram o domínio do autor sobre os sentimentos deles. O Menino representa a inocência sendo amaldiçoada por um mundo onde os inocentes são o alimento dos malditos. Algumas interações entre pai e filho são lindas e levam uma lágrima aos olhos. Impossível não se emocionar com o forte sentimento de apego do pai a seu filho. Aos poucos o mundo vai ferindo o Menino, mas mesmo assim sua bondade inerente permanece. Mesmo em situações absurdas, ele é capaz de mostrar que a humanidade ainda é capaz de boas ações. Porém, Cormac vai pisar em cima dessa bondade e ao final nos questionamos se vale a pena ou não o Menino ser uma pessoa tão boa. O mundo em que ele vive não o merece.
Já o Homem é o pai protetor. Mas, existe uma pequena pegadinha nessa proteção. O Menino é a única coisa que mantém o Homem vivo. Ele é o seu coração que o faz se manter vivo. O personagem faz questão de lembrar a todo momento que ele tem um revólver com duas balas preparadas para o momento em que a esperança desaparecer por completo. De vez em quando o Homem acaba precisando fazer ações reprováveis o que o coloca sob o julgamento do filho. Este deseja que os dois sejam os Caras Bons. E este mundo não tolera Caras Bons. Porém, a ligação que une os protagonistas é forte demais e embarcamos junto com ambos rumo ao sul sem direção aparente.
A Estrada é um livro sensacional. Cormac tem um estilo de escrita bem diferenciada. Uma coisa que me deixou com a pulga atrás da orelha desde o início jornada deles é que o Homem e o Menino referem-se a si mesmos como os portadores do fogo. A conclusão disso foi surpreendente.