Leonardo1263 07/03/2024
Nesta longa estrada da vida!
“A Estrada”, escrita por Cormac McCarthy em 2007, é uma obra que mergulha nas profundezas da desolação humana em um mundo pós apocalíptico implacável. A narrativa acompanha a jornada angustiante de um pai e seu filho em meio a um cenário terrível, onde a natureza está morta, recursos são escassos e a esperança quase nada.
O autor não explica a causa dessa destruição, deixando-a envolta em mistério, mas sugere indiretamente a possibilidade de uma explosão nuclear, por vezes referenciada como o “clarão”. Nesse mundo desolado, a mãe da criança, antecipando o sofrimento que aguarda as mulheres nesse ambiente brutal, decide abandonar a família, deixando ao pai a responsabilidade de proteger o filho.
Com recursos escassos e a ameaça constante de violência, o pai e o filho seguem em direção à costa, na esperança de encontrar um transporte possível para outra realidade em meio ao desespero. Ao longo da jornada, eles encontram outros sobreviventes, muitos dos quais perderam a humanidade em sua luta pela sobrevivência.
A ausência de esperança é uma constante na narrativa, refletida na paisagem monocromática e no frio constante. No entanto, mesmo diante de tanta desolação, a relação entre pai e filho representa um ponto de luz em meio às trevas, uma fonte de esperança e humanidade em um mundo que parece ter perdido ambos. A decisão da mãe de deixar a família ilustra a dura realidade desse mundo distópico, onde as escolhas muitas vezes se reduzem a sobreviver a qualquer custo. A ameaça constante de violência paira sobre os personagens, tornando cada decisão uma questão de vida ou morte.
No entanto, apesar das adversidades, “A Estrada” também apresenta momentos de beleza e humanidade, lembrando-nos que, mesmo em meio ao desespero mais profundo, a vida continua a encontrar uma maneira de florescer. É essa dualidade entre desespero e esperança que torna a obra tão poderosa e comovente.
O menino que veio ao mundo já imerso nessa distopia pouco sabe sobre a realidade pré-catastrófica. Cresceu sem familiaridade com os conceitos sociais, privado de educação formal e da convivência com os de sua idade. No entanto, sua inocência resplandece em meio à escuridão, e seu universo se resume ao seu pai, fonte primordial de todo seu entendimento moral (na mente do menino). A pureza infantil o orienta para o bem, enquanto ele busca incessantemente confirmar que ambos, ele e seu pai, permanecem do lado correto, incapazes de conceber a maldade em um mundo já tão desolador.
Num ambiente de escassez extrema, onde a fome e a sede são constantes ameaças, alguns recorrem ao canibalismo em um impulso desesperado de sobrevivência. Nessa luta desumana pela vida, os códigos sociais se dissipam diante do instinto primordial de preservação, colocando a moralidade em segundo plano.
O autor habilmente insere elementos sutis no desenvolvimento dos personagens. Inicialmente, em diálogos com sua esposa, o pai se revela mais emotivo, imaturo e preocupado com o futuro. No entanto, ao longo da trama, ele amadurece aos poucos, enfrentando seus medos e se mostrando corajoso e determinado a ser o pilar de apoio que seu filho necessita.
Essa evolução é essencial em desventuras como essa, e encontramos exemplos semelhantes em outras obras com o mesmo contexto, como o filme “Logan”, o jogo “God of War” de 2018 e a série/jogo “The Last of Us”. Todos esses apresentam um cenário onde um pai e seu filho(a) enfrentam desafios, com o pai inicialmente sendo uma figura distante e brutalizada, que pouco conhece a criança. Porém, ao longo da jornada, eles se adaptam um ao outro e a relação amadurece. Os filhos crescem e os pais começam a enxergar o mundo através dos olhos deles.
Portanto, “A Estrada” se apresenta como uma poderosa metáfora da vida, uma jornada pela sobrevivência, um movimento do ponto A ao ponto B. O pai, dedicando-se intensamente, busca ser um modelo, ensinando a superar os maiores desafios. Cada palavra e ação são ponderadas, cientes de seu impacto na mente da criança. Ele compreende profundamente que cada passo moldará o futuro de seu filho.
Não me recordo da última vez que me deparei com algo tão pessimista, porém tão real e plausível. O livro é excepcional, embora exija uma atenção especial aos detalhes devido à sua lentidão. Em 2009, foi adaptado para o cinema, com o talentoso ator Viggo Mortensen (Senhor dos Anéis) no papel principal. A adaptação se mantém fiel ao livro, oferecendo uma experiência repleta de simbolismo, embora eu tenha observado uma redução nas referências ao canibalismo presente na obra original.
A editora de quadrinhos Pipoca & Nanquim já anunciou que também lançará uma adaptação em quadrinhos por Manu Larcenet (prestigiado por sua também adaptação para os quadrinhos “O Relatório de Brodeck” lançado no Brasil pela editora PN em 2018). Agora teremos mais uma opção de experimentar essa desesperança gélida e canibalista.
site: https://espacols.com.br/livro/a-estrada/