Kenia 20/09/2020Há beleza até mesmo nos cantos escuros, rústicos e sombrios do livro fenomenal de Cormac McCarthy, A Estrada, mas esta beleza não é para todos. Antes de começar esta resenha, preciso esclarecer que é um romance muito sombrio e deprimente sobre a ruptura da sociedade após um evento apocalíptico. É honesto, vai te afetar e te perturbar de um jeito inexplicável, então só o leia se você achar que está bem com os temas do livro.
"Quando todos tivermos morrido pelo menos não haverá ninguém aqui além da morte e seus dias estarão contados também. Ela vai estar aqui na estrada sem nada para fazer e sem ninguém a quem fazer. Ela vai dizer: Para onde foi todo mundo? E é assim que vai ser."
A Estrada é focada em um pai e em um filho, conhecidos apenas como "o homem" e "o menino". O pai sabe que eles não sobreviverão ao inverno que se aproxima, e decide ir para o sul para sobreviver, em meio a pilhas de cinzas causadas por um evento apocalíptico inexplicável, o que torna a respiração mais difícil. Com roupas esfarrapadas, a dupla empurra um carrinho de compras cheio de poucos itens que eles garimpam pelo caminho, olhando através de prédios abandonados, galpões e casas que eles encontram pelo caminho, na esperança de encontrar sua próxima refeição ou local para dormir.
Descrições da flora sugerem que eles estão vagando nas Montanhas Apalaches, entre o Tennessee e as Carolinas (do norte e sul) até a costa da Carolina. Como eles estão indo para o sul na maior parte do tempo, e como são oprimidos pelo frio, é de assumir que eles estão indo rumo à Flórida. A certa altura, eles se deparam com uma velha placa dizendo: "See Rock City", mas nenhum outro nome de lugar é mencionado. O leitor e os protagonistas estão apenas "lá fora em algum lugar", em uma terra morta que não tem nome. Às vezes parece que eles estão na estrada não para chegar a lugar algum, mas apenas para se manterem em movimento, um passo à frente da morte.
"O que você faria se eu morresse?
Se você morresse eu ia querer morrer também.
Para poder ficar comigo?
É. Pra poder ficar com você.
Tudo bem."
Esse romance apresenta aos leitores um pai que quer desesperadamente proteger seu filho adolescente de um mundo duro, enquanto o prepara para sobreviver. Como criar uma criança para acreditar na esperança e se agarrar à inocência da juventude quando o mundo ao seu redor está cheio de possíveis perigos? Como você se certifica de manter seu filho alimentado e saudável quando você nem sequer sabe onde vai dormir naquela noite? Estes são dilemas que muitos pais enfrentam hoje em dia, e McCarthy os ilustra com uma clareza desoladora ao colocar os personagens principais em um pano de fundo verdadeiramente duro. Pai e o filho encontram pelo caminho saqueadores, canibais e doenças, tudo isso armados apenas com um único e velho revólver que só tem duas balas.
É uma história da perda de confiança no ser humano, o que é preciso para se manter vivo, moralidade, sobrevivência e a relação entre o pai e seu filho.
Alguns livros são uma verdadeira experiência. E este é um deles. Fácil de ler, porém difícil de absorver. De longe o livro pós-apocalíptico mais desolador e deprimente que já li, mas que entrou para a lista dos meus favoritos. Certas momentos da trama vão ficar comigo para sempre.