debora-leao 10/03/2024
Um livro maduro que mostra tudo que o multiverso deveria ser
De fato, como muitos aqui já disseram, senti muitas emoções lendo esse livro. E é com isso mesmo que começarei esta resenha.
Eu costumo ser bem razoável em prever plots, em filmes, livros e até clássicos. Neste livro, me botaram no chinelo por quase 400 páginas, sem interrupções. Previ um total fantástico de 0 plot twists. Tudo foi inesperado e surpreendente, algumas coisas me fizeram parar para respirar, chorar, fumar um cigarro. Zero previsibilidade. Porém... É importante dizer que tenho quase 0 conhecimento de multiverso. Na verdade, ele se resume ao que vi nos filmes da Marvel. Eu entendo a premissa, claro, mas sinto que nesse tema os desdobramentos são muito mais importantes. E eu tinha muita dificuldade em conseguir prever e pensar desdobramentos dessa teoria até ler esse livro - e tenho a impressão que agora ficarei pensando nisso por muito tempo.
A leitura pra mim começou meio chata. O primeiro capítulo e parte do segundo meio que são só suspense, e eu não gosto muito de suspense... Sou ansiosa demais pra gostar. Ativa minha ansiedade demais pro meu gosto. Mas rapidinho o livro mistura outras coisas: ficção científica propriamente, desenvolvimento de personagem, romance, filosofia. Foi um exercício filosófico mesmo, quase como algo que poderia ter sido produzido em uma aula de faculdade com 2-3h de duração, conduzida por um(a) bom(oa) professor(a).
Tudo é muito crível no livro. Não achei nada forçado. A forma que o narrador se sente, as decisões que toma, as horas que decide ser racional, as versões de si mesmo que encontra (aliás, me peguei pensando frequentemente nas que não encontrou: quantas morreram, decidiram ficar em outros mundos, enfim? Nós apenas não sabemos pq o nosso narrador não sabe).
O livro pode ter um potencial gatilho. Por causa de questões psiquiátricas eu alucino às vezes. Está cada vez mais espaçado, eu faço tratamento e etc. Porém, o MAIOR gatilho de absolutamente TODOS pra mim é justamente algo que esse livro acaba produzindo: um questionamento de sua própria identidade. Como você sabe que você é você? Me peguei, no fim do livro, pensando se o nosso narrador era de fato o mesmo que conta o capítulo um. Como ter certeza? E se nessas trocas de capítulos, nos saltos temporais que o autor dá (um ótimo recurso para não tornar a entrada em vários mundos cansativa), outra versão passe a contar a história? Não sei.
Também questiona nossas escolhas. Escolher aleatoriamente, escolher com racionalidade e escolher com a emoção. Quando usar cada uma? Eu tentarei pelo menos pensar mais e mais sobre isso. Quando vale não gastar energia e deixar a aleatoriedade existir, quando vale pensar nas minhas emoções e quando apenas a racionalidade vai me fazer sobreviver.
Eu me emocionei muito com a forma que família é descrita. Achei um pouco romântica, visto que ele sabia que tinha tantas possibilidades, com outras pessoas, inclusive, de ser feliz... Mas me parece um atrelamento da família como o senso de enraizamento do personagem. Não achei propriamente romântico demais ou falso, só raro. Possível, mas raro.
Gostei muito da escrita. É simples, fluida, com capítulos longos mas parágrafos em geral curtos, bem dividido, com respiros narrativos múltiplos em cada capítulo. Eu li o ebook, que está muito bom, assim como a tradução e edição de forma geral. Palmas para Blake.
(SPOILER ABAIXO)
(SPOILER ABAIXO)
(SPOILER ABAIXO)
(SPOILER ABAIXO)
(SPOILER ABAIXO)
Eu, diferentemente de muita gente, não tive raiva do Jason2. Se eu consegui entender bem, do que não tenho certeza, a partir do momento que ele pensou que queria fazer o que fez o multiverso já criou uma versão dele que fez, certo? Então qual seria a solução? Garantir que nenhuma versão dele que tenha construído a caixa tenha desejado isso? Como é possível pensar assim, de forma acusatória para Jason2 e ao mesmo tempo não julgar o Jason1, o narrador, quando ele espreitou a Chicago tão parecida e suas versões de Jason e Daniela dormindo e pensou, ele próprio, em fazer o mesmo que o 2 fez com ele?
Fiquei triste com o abandono da personagem da Amanda, mas me pareceu real. Quando o Jason narrador conversa com o Jason com o qual tomou cerveja, ele comenta que ele se perdeu dela durante a nevasca, lá no início, e nunca mais a viu. Pq o nosso Jason seria especial? Quantos entraram sem a Amanda, a abandonaram eles próprios, em quantos mundos pós apocalípticos, pandemicos etc a Amanda morreu? E por aí vai. Faz total sentido dentro da história, mesmo que triste. Não contar a história dela depois dali é um lembrete de que o multiverso não engloba apenas o Jason. Fiquei pensando em uma coisa, durante a leitura, que acho que nasceu ali: se ficamos tão embasbacados com a extensão desses desdobramentos para UMA pessoa, imagine com toda a humanidade? Paro por aqui.