Fernanda631 31/07/2023
A Melodia Feroz
A Melodia Feroz (Monstros da Violência #1) foi escrito por Victoria Schwab.
Este é um futuro distópico, onde cidades e distritos se ergueram sobre o que antes eram os Estados Unidos. Mas cada ato de violência gera um monstro que passa a ser parte dos locais onde o ato aconteceu. Os Malchais se alimentam de sangue, os Corsais de carne e osso e os Sunais, os mais raros, alimentam-se das almas das pessoas. A mensagem do livro é direta e bem óbvia: violência gera violência. E mesmo sabendo disso, as pessoas continuam cometendo agressões, assassinatos, chacinas, gerando mais e mais monstros.
August e Kate vivem em um mundo marcado pela guerra. Uma cidade dividida em dois setores; um deles controlado pelo pai de Kate Harker, um comandante cruel que tem poder sobre os monstros que habitam aquela área, e o outro lado comandado pelo pai adotivo de August, um líder que equilibra a paz frágil com a ameaça de um novo confronto.
A diferença entre os dois jovens protagonistas é uma só: Kate é filha de um controlador de monstros e August Flynn é um monstro. O mais raro deles. Porque esse mundo pós-guerra é palco de um cenário sobrenatural. A violência criou monstruosidades, e essas criaturas são um risco para os humanos que vivem ali.
Quando August recebe a missão de espionar Kate do outro lado da fronteira, na parte da cidade que o pai dela controla, as coisas começam a desandar. Primeiro porque Kate é um espírito rebelde, e segundo porque August é um monstro em meio a humanos. Com a eminência de um novo conflito pairando sobre suas cabeças, o livro se desenvolve através da ideia de que as diversas formas de violência são a provisão da própria guerra.
O que eu achei mais genial nessa obra foi esse conceito de violência. A autora conseguiu desenvolver o sobrenatural dentro da sua trama de maneira bastante crível; você acredita que a violência poderia criar monstros, porque é isso que ela faz. Ela mata, destrói, traz caos. A violência é uma coisa instável e voraz, insaciável.
Ela está ali nas sombras dos homicidas, perseguindo terroristas; a violência é a sombra de um monstro que se disfarça de humano. Quando acontece, a sombra se desprende da pessoa e se torna a forma física do crime cometido. Existem os corsais - que surgem de atos violentos não letais, e perseguem pessoas na escuridão e nos becos escuros.
São disformes, feitos de ébano e crueldade. Depois deles, os malchais, que nascem dos homicídios. São monstros mais humanos, mas seus olhos vermelhos e sua sede de sangue insaciável os tornam mortíferos. E, por fim, os sunais. Esses surgem dos crimes mais hediondos.
August é um sunai, e o fato de um garoto com tantos medos e fragilidades ser um dos monstros mais temidos dessa sociedade mostra muito a balança delicada que compõe o mundo criado pela Victoria Schwab. O que faz de você um monstro? A violência que você aplica ou a violência que te cria? O que diferencia August do pai de Kate?
August é um monstro em todas as definições da palavra, mas o pai de Kate é quem comete as atrocidades. A força dessa obra reside na sutileza do desenvolvimento da história; no modo como a autora introduz a violência em suas diversas formas para mostrar os horrores que ela pode trazer ao mundo.
E o August foi um protagonista tão, tão carismático. Sua convivência com os "irmãos", outros dois sunais adotados pelo líder, é ótima. Ilsa é o coração e o arrependimento. Leo é a coragem e o terror. August é o equilíbrio. Ele teme o que eles são, mas precisa aprender a aceitar e entender.
Suas histórias são fortes; de onde eles surgiram, como surgiram, o que significa seu poder, tudo isso é explicado no momento certo pra dar a sensação de choque e reconhecimento. E em quesito personalidade, de novo, pontuo que August é precioso demais para o mundo; ele é gentil e conciso, querido até o último fio de cabelo. O título do livro remete à sua condição de monstro. O significado da Melodia Feroz é impecável.
Enquanto August é a razão e o cuidado, Kate é uma rebelde intrépida, ansiosa para se provar para o pai - o líder de monstros -, para mostrar que está pronta para viver o que a guerra deixou para trás. Sob isso, encontramos seus temores e receios, o que a perda da mãe significou para a menina e como isso ajudou a construir sua personalidade irrefreável.
Ela e August formam uma ótima dupla, e os caminhos que os colocam lado a lado são pautados por decisões arriscadas. Outro ponto positivo do livro? O romance não existe. Ele é uma possibilidade, sim, mas não nesse livro. Nessa obra é tudo sobre se aproximar e confiar um no outro. É o nascimento de uma amizade forte e inesperada, marcada por desavenças e por diferenças óbvias dentro das suas jornadas de vida. Ao mesmo tempo em que Kate e August se diferem, eles também são idênticos. Dois jovens assustados que precisam aprender a sobreviver - a viver.
A questão da guerra e o envolvimento dos sobreviventes nela: tudo é maravilhoso. No núcleo da Kate, temos uma visão mais sombria e quase humanizada, eu diria, dos malchais. Não que eles sejam bons ou compreensíveis, mas eles são formas sombrias e cruéis. São monstros ansiosos pela violência. Um malchai em questão, Sloan - servo do pai de Kate, servidão essa conquistada através do medo - tem um arco fantástico na história.
A violência cria monstros. Através da guerra, da tortura, do assassinato. Através do caos ou mesmo da ordem. A violência fala através da Melodia Feroz e instaura seu reinado de terror com as sombras que nascem com ela.