Eduardo 12/07/2017
Forte nos temas, fraco em essência
Outros Jeitos de Usar a Boca, para início de conversa, é um título que minimiza demais o conteúdo da obra em relação ao título original (Milk and Honey). Talvez tenha sido por isso que muitos leitores tenham notado um distanciamento do "tema original" no decorrer do livro, quando, na verdade, me parece que a autora não traçou um "tema original", e sim englobou vários temas, a maioria deles relacionada ao feminismo, ao sentimentalismo como um todo, à dor, à submissão, ao corpo, à procura do amor próprio, à cura de suas feridas emocionais e físicas e à superação. Dizer que houve distanciamento do tema original é errado, e nesse ponto eu defendo o livro; o que houve foi um título adaptado no Brasil desprovido do conceito maravilhoso que tange o livro. Entretanto, houve distanciamento na essência, e isso merece um parágrafo à parte.
O início do livro o faz parecer extremamente carregado de emoção, como se a autora expurgasse sua alma através dos poemas. Sexo, abusos, machismo, amores, família: tudo isso caminhava bem até que, em dado momento, os poemas passaram a ser meras narrativas montadas a partir de frases prontas. Ora, nada de mal nisso, afinal de contas, como um clichê diz, "todo clichê só é clichê porque é verdade", então qual o problema em criar poemas a partir de clichês? O problema é que clichês não formam poemas, porque poemas são únicos, são reflexos do autor, e não meras cópias do que outros já disseram. Se assim fossem, que continuassem com seu nome original: clichês. Talvez estejam aí a melhor e a pior parte do livro: os temas retratados de forma profunda em algumas páginas e extremamente superficiais em outras, como se uma parte negasse a outra, como se a profundidade da autora fosse esquecida por ela mesma pela falta de essência das próximas linhas. E acredito que é nessa superficialidade onde mora a fama do livro: assim a poesia da autora conseguiu atrair mais público, principalmente o público não acostumado com ela. Juntaram-se os temas fortes, bastante debatidos na atualidade, com o estilo moderno de poesia, uma receita infalível. Mas o que coalhou a mistura foi a dose exagerada de frases prontas, cujo conhecimento popular sobre elas é tão amplo que já perderam até seus significados, servindo de legendas para um punhado de fotos banais em redes sociais. Se uma das intenções da autora foi resgatar a essência perdida dessas frases, infelizmente não deu muito certo. Uma pena.
Outro ponto interessante a se destacar é o uso constante do amor próprio como objeto de poesia. Isso soaria perfeito como objeto de cura para o tema da obra, não fosse a disparidade entre o humano real e sentimental e o senso comum de sua poesia, além dessa mistura com a banalidade das frases de efeito de fim de romance adolescente. E isso é errado? Não, não é. A literatura é livre, cada um escreve sobre o que quer, da maneira como lhe convier. E isso é bom de se ler? Depende. A autora escolheu temas fortes, eu apenas imaginei que o peso de suas palavras seria forte do início ao fim. E a interpretação do que é forte depende de quem lê.
Todavia, o livro é único. É sim uma pedra preciosa. Não precisa ser lapidada, já que a autora, nos seus 24 anos, a quis assim. É sua experiência, é seu ponto de vista, é pessoal e único, mas faltou a essência, e isso não pode ser negado. Os temas são impecáveis, mereciam mais cuidado, mereciam mais amor, mais crítica (a pessoal mais do que a popular). No entanto, volto a repetir: é uma obra singular, que merece ser lida e apreciada a cada página, com momentos de pausa para observar seus momentos de singeleza. Por mais que apenas meia dúzia de poemas realmente tenham me emocionado de verdade, vale a pena. Só não espere tapas na cara em todas as páginas; algumas só têm beliscões e cutucadas.