brunossgodinho 22/07/2020Um esfarrapado, afinalContribuição incontornável aos educadores, a
Pedagogia do oprimido é possivelmente a suma do pensamento pedagógico de Paulo Freire. Nela são enunciadas algumas das principais teses do autor, que estão concentradas nos eixos do materialismo histórico e da decolonialidade, a fim de construir, por fim, uma pedagogia crítica.
A primeira parte do livre trata do diagnóstico inescapável da desigualdade social e seu reflexo no estado da pedagogia e da educação no Brasil: entre redes pública e privada, entre diversas linhas pedagógicas, a "situação concreta" é a de que a educação no Brasil se encontrava na encruzilhada de reprodução do sistema econômico, político e cultural na qual está inserida. Uma educação proporcionada em meio ao sistema capitalista - seja no âmbito da rede privada, seja no da rede pública mantida pelo Estado - só pode reproduzir, inelutavelmente, o sistema do qual faz parte. Daí, a também inexorável conclusão: para que a educação seja libertadora do indivíduo, ela precisa libertar toda a comunidade.
Partindo desse pressuposto, procede-se à análise do que o autor chama de "educação bancária", na qual o conhecimento é "depositado" no aluno pelo professor. Modelo que existe e prevalece até hoje, com raras exceções e raras fugas, essa educação bancária torna-se instrumento de reprodução da desigualdade social. Para quebrar esta parede, é necessário compreender, então, que educação é sempre um processo dialético, de mão-dupla, em que educador e educando aprendem simultaneamente e mutuamente. A educação nunca termina porque ela é um
fazer, uma prática: assim como andar de bicicleta, devemos mantê-la em dia para não enferrujarmos; mas, se ficarmos um tempo sem praticá-la, tudo bem, pois quando retornarmos a ela, a própria essência da educação como prática da liberdade nos leva a um pique novo - em outras palavras, depois de sentar-se ao banco e dar as primeiras pedaladas, é como se nunca tivéssemos abandonado a bicicleta.
Com isso, assume um papel central nessa prática pedagógica o ato do diálogo. Sem a capacidade de ouvir e de argumentar, o educador está indefeso contra as situações concretas que se lhe apresentam no dia-a-dia das escolas. Como dar chances ao aluno cujo pai é alcoólico? Como desculpar o aluno que se atrasa porque precisou deixar o irmão pequeno na creche a caminho da escola? Como entender as notas baixas da aluna que repentinamente reaparece em sala de aula com uma barriga de três meses de gravidez? O primeiro passo, sem dúvida, é o diálogo. Os feitos não podem ser desfeitos e a escola não pode ser o espaço do julgamento moral. O que se pode fazer é dialogar com os educandos e encontrar a melhor solução para que, adequando-se à situação concreta, a prática educacional seja levada adiante.
Até aqui encontram-se alguns pontos teóricos e epistemológicos fundamentais da obra de Paulo Freire: a metodologia de análise proveniente do materialismo histórico dialético; a teoria crítica socialista e decolonial; e, por mais estranho que possa parecer, do cristianismo católico. O materialismo histórico acrescenta à teoria pedagógica uma maneira direta e sem rodeios de considerar o cotidiano da experiência educacional; o socialismo e sua decolonialidade se apresentam como motores de contestação dos métodos de opressão e reprodução da desigualdade e, ao mesmo tempo, como pontes para uma construção coletiva do conhecimento que tem por objetivo a manutenção da educação como prática libertadora; e, enfim, a interpretação do autor de sua fé cristã católica vem somar com o sentido comunitário da educação e contra o fatalismo provocado pelas situações de desigualdade.
A síntese final do autor é sobre a "ação antidialógica", isto é, o método da educação bancária e as características desse método que resultam na opressão e reprodução da desigualdade. Em contraponto, é afirmada a teoria da "ação dialógica", cujas características são a "co-laboração" (o ato de trabalhar em conjunto, isto é, educador e educando trabalhando juntos para atingir o fim da educação); a "união" (a valorização do senso comunitário e supressão do individualismo - o que não é dizer o fim da individualidade); a "organização" (pois sem articulação não há trabalho bem feito); e a "síntese cultural" (a compreensão, afinal, das diferenças entre educadores e educandos, entre os diferentes mundos sociais, e a tomada dessas diferenças como ponto de partida para o processo educacional).
A teoria pedagógica desenvolvida por Paulo Freire aqui e em seus outros livros é (ou deveria ser) um dos pilares de qualquer teoria crítica que anima a prática educativa. Sem a compreensão entre as partes, não há um "fazer educacional". Ela estimula a compreensão de que a educação nunca acaba, pois, sendo prática, ela precisa estar a todo tempo acontecendo para que não nos rendamos às desigualdades e opressões. Tarefa árdua porém gratificante para qualquer um que veja sentido na coletividade, no amor ao próximo e na esperança de uma sociedade e um mundo melhores.