Camila(Aetria) 05/12/2022
Abrindo a resenha com um desejo: que as pessoas leiam os livros da Jackson com a expectativa ajustada. Principalmente no quesito detalhamento. Pra assim ser possível aproveitar a maravilha que é esse livro.
Esse foi o segundo livro da Shirley Jackson que li. E mais uma vez, ao terminar a obra com a sensação de uau, eu não tive dúvidas que muita gente não teria gostado dele, da mesma forma que d'O homem da forca.
Minha primeira leitura de uma obra dela foi O Homem da Forca, que trouxe aquele clima de um terror bom, que te perturba, que leva pra locais incômodos, desagradáveis, que nem sempre te explica tudo, mas sim que te dá aquele gosto terrível na boca, isso tudo digo de maneira elogiosa. Em Sempre vivemos no castelo, ainda temos o mesmo modelo de protagonista feminina (que fantasia com cenas de controle e destruição, tal qual a protagonista d'O Homem da Forca), que abraça uma das coisas que mais gostei em ambas as obras: os monólogos. As duas fantasiam e se entretêm sozinhas em suas mentes, as duas imaginam cenários em que estão seguras, estão tranquilas, estão saindo vitoriosas de situações comuns em que não têm poder algum, que não têm controle. Sempre são cenas violentas, cenas de obliteração. Tendo lido apenas duas obras dela não sei se é um padrão, mas é algo que senti muito marcado pelo estilo ao ler. E eu adoro isso. É muito bom ler esse tipo de descrição de extrema violência pra desopilar frustrações, é algo muito presente em algumas pessoas mais quietas, mais pisadas. É uma frustração que só conseguiria ser sanada com superpoderes. Ou envelhecimento (ou talvez com a implantação massificada da cultura de "cinco minutos de trocação de soco sem perder a amizade", mas não saberia afirmar com certeza). A protagonista d'O homem da forca é uma jovem universitária, sobrepujada pela falta de independência, aqui, a protagonista é uma criança isolada, pré-adolescente. Igualmente caótica. Mais que Natalie do outro livro, pois vive mais intensamente suas superstições. São duas fases da vida muito frustrantes. Muito caóticas. Com coisas que só arrefecem junto com a idade. São épocas de sentimentos extremos. E o sonho de controle do feminino num contexto de anos 50, bem, há que se esperar fantasias que tenham um tico de violência inerente.
Eu gosto muito de como obras sobre casas conseguem ser recontadas de maneiras diversas. Em Crônica de uma casa assassinada de Lúcio Cardoso, somos levados por uma história que vai se descontrolando até o ponto do desespero, e aí lemos um fechamento que muda tudo que sentíamos até dois minutos atrás. Em Sempre vivemos no castelo temos a mesma trajetória. Caos. Drama. Bizarrice. O extremo que vai descendo a ladeira ao ponto de não retorno. E aí algumas resoluções e migalhas que a autora vai deixando em diálogos, em trechinhos de narração, que mudam o que sabemos da história. Eu gosto muito de ler obras assim. Me lembra contos de terror, que não precisam explicar tudo, que não querem explicar tudo, se você quiser preencher, ou aproveita o que foi dado, ou entende que nem tudo precisa ser explanado pra ser bom. Isso acontece nas duas obras da Shirley Jackson que li e eu sabia que leria muita resenhas que odiariam esse tipo estilo. É intencional. É fragmentado. O que sabemos das personagens é espalhado. Não há um personagem orelha pra pegar nossa mão. Há o caos de uma família rica que fica isolada numa mansão. Uma família reduzida a três pessoas. Com todas suas idiossincrasias. Com todas suas complexidades. Que vivem um dia depois do outro. Pois isso é viver.
Gostei ainda mais desse do que do primeiro que li, ele não me desgraçou como Jardim de Cimento (outro livro sobre casas e famílias) do Ian McEwan, que nunca mais lerei na minha vida (é muito bom? muito bom. lerei algo mais do autor? jamais.), e ainda conseguiu fazer um desfecho que me foi inesperado em vários sentidos. Não vou entrar em detalhes, já que não é uma resenha com spoilers, mas a autora conseguiu atingir um simulacro de felicidade que não existe na abertura, ela abre horizontes. O que é incomum de ler em livros de terror como esse.
Sempre vivemos no Castelo é um livrão. Uma história incrível, cheia de detalhes escondidos, com personagens que existem de maneira desavergonhada, e a gente que lê é apenas um espectador do caos que Merrycat quer nos apresentar. No ritmo dela. Do jeito dela.