Dhiego Morais 16/11/2017Sempre Vivemos no CasteloShirley Jackson, californiana nascida em 1916 é considerada uma das maiores expoentes da literatura de terror do século XX, sendo inclusive leitura obrigatória em diversas escolas americanas. Aclamada pelo público e pela crítica, a autora influenciou grandes nomes da atualidade, tais como Neil Gaiman e Stephen King. E, tendo em vista a minha queda pelas obras de King, não poderia perder a oportunidade de ler uma das autoras mais elogiadas pelo mestre.
Em Sempre Vivemos no Castelo conhecemos a história singular dos Blackwood que há algum tempo foram reduzidos drasticamente às figuras das irmãs Merricat e Constance, e de seu tio, Julian. Envenenados por uma dose de arsênico contida em um pote de açúcar, a família Blackwood, antes numerosa, rapidamente se transformou e se resume aos três personagens citados.
??Coitados dos desconhecidos?, eu disse. ?Eles têm tantos motivos para ter medo??.
Constance Blackwood, a irmã mais velha, logo é acusada de ter envenenado os demais familiares, já que a mesma havia sido responsável pela última refeição preparada. Porém, pouco depois é inocentada, quando acaba por retornar à mansão da família. Por outro lado temos a pequena Merricat, uma jovem um tanto quanto excêntrica, que no fatídico dia havia sido colocada de castigo.
A trama toda gira em torno das irmãs Blackwood e de seu relacionamento com o povoado que, após os assassinatos, mantém além de um desconfortável distanciamento, também um visível desprazer em possuí-las como parte da vizinhança. Desta forma, os últimos Blackwood tornam-se extremamente reservados, estranhos, dotados de uma aura sombria para a maioria, em meio a um caso irresoluto.
Quando Charles, um primo distante, resolve visitá-las, a vida aparentemente pacata, mas não menos curiosa de Constance e Merricat apresenta sinais de mudança. E é neste ponto que toda a trama se desenrola e a autora constrói o clímax da obra.
Sempre Vivemos no Castelo não se trata de uma obra de terror que abusa do sobrenatural para se erguer frente ao leitor, mas sim de uma obra de terror psicológico, em que a mente humana atribui todo o horror e bizarrice que tinge o romance, afinal, não há nada mais assustador do que a percepção de que o terror reside na mente de cada ser humano.
O que Shirley faz em um livro tão curto é assombroso, pois a sua construção de personagens é feita com exímia habilidade, e, junto à escrita fluida e deliciosa confere consistência e originalidade, principalmente se tomarmos a época em que foi escrito.
?A língua deles vai queimar, pensei, como se tivessem comido fogo. As gargantas vão queimar quando as palavras saírem, e na barriga vão sentir um tormento mais quente do que milhares de incêndios?.
Constance é uma personagem extremamente reservada; detentora de um medo absoluto em sair de seu ?castelo?. A Blackwood mais velha apresenta uma espécie de agorafobia, um distúrbio caracterizado pelo medo de lugares e situações que possam causar pânico, impotência e constrangimento. Para Constance, caminhar pelas ruas e ser alvo de um intenso olhar acusatório, bem como de fofocas e murmurinhos vis, configura uma das piores sensações pelas quais seria capaz de experimentar em vida.
Já Merricat Blackwood é talvez a personagem mais bem caracterizada da obra. Considerada uma jovem excêntrica, Merricat enterra objetos para afastar intrusos, conversa com Jonas, o gato e mantém um laço visceral com a irmã, quase uma espécie de fascínio egoísta por sua irmã, Constance. Em boa parte do livro é fácil se esquecer de que Merricat já não é mais criança, mas sim uma jovem de dezoito anos, já que sua mente intrincada é permeada por sintomas infantis.
Julian, o tio é agora um homem inválido, cuja mente e o corpo parecem ter sofrido permanentemente pelo arsênico. Incapaz de andar, Julian tem poucos momentos de lucidez, quando tece comentários valentes e perspicazes a respeito da noite do envenenamento, fato este no qual ele centra suas forças para redigir um livro que nunca se encerra. O velho tio é igualmente bem construído e confere certa descontração ao ritmo do texto de Jackson.
?Não consigo me segurar quando as pessoas têm medo; sempre tenho vontade de botar mais medo ainda nelas?.
Outro ponto que merece destaque no livro de Shirley é a capacidade exímia de ela apresentar versões realistas da mente humana, cheia de sombras e iniquidade. O povoado que cerca a mansão Blackwood atua como agente modificador na trama, demonstrando todo o preconceito, pré-julgamento e inimizade presente entre as partes. Há certa selvageria e brutalidade escondida em cada olhar por ali.
O que Shirley Jackson faz ao encerrar o livro pode agradar enormemente os leitores ou simplesmente fazê-los detestar a experiência. A questão do assassinato não é difícil de pescar, entretanto, a motivação dá o toque mórbido certo à história. A leitura de Sempre Vivemos no Castelo é a jogada de uma moeda, em que há a possibilidade de dar apenas um resultado ou outro, cara ou coroa, quase nunca um meio termo.
Jackson brinca com o leitor ao construir uma obra que dança silenciosamente com o inconsciente. A insanidade e a perversidade da mente humana são expostas ao longo da trama, em um romance cheio de suspense, cuja escrita demonstra toda a sua fluidez e força logo nos primeiros instantes em que respira. Sempre Vivemos no Castelo é sobre os efeitos do isolamento social sob a perspectiva de mentes perturbadas e irremediavelmente neuróticas.
O terror é sutil, mas poderoso. Hoje é dia de visitas na mansão das Blackwood. Acomode-se. Aceita uma xícara de chá?