spoiler visualizarMilena 19/12/2018
Refletindo sobre
Em Todos Contra Todos, o historiador Leandro Karnal discorre sobre o ódio no Brasil. Segundo a obra, a sociedade brasileira mostra-se bastante determinada a odiar o que lhe é diferente, mas, ao contrário de fundamentalistas religiosos, por exemplo, queremos sempre fingir que somos um país pacífico "abençoado por Deus e bonito por natureza", onde não há catástrofes naturais ou guerras civis. É o país onde a abolição da escravidão foi feita por uma princesa bondosa assinando um papel. É o país onde mais se mata no trânsito, mais se mata LGBT e onde o preconceito permeia todas as esferas sociais, porém nada disso pode ser comparado com as guerras e massacres alheios.
Leandro Karnal, o historiador mais pop do Brasil, com seus comentários debochados e sua argumentação impecável nos mostra um pouco mais sobre o nosso país e nós mesmos. As palavras de ódio, racismo, misoginia, homofobia, transfobia, etc., são endêmicas no Brasil e estão por toda a parte. Desde marchinhas carnavalescas, como "olha a cabeleira do Zezé, será que ele é? Será que ele é?" até a pós-verdade nas redes sociais, em tudo há uma reprodução de discurso de ódio. Não sabemos criticar racionalmente, pois o brasileiro é um povo passional e só age por meio dessa passionalidade. Assim, exaltamos quando as opiniões são semelhantes às nossas, mas gritamos e odiamos quando são diferentes. Não há como dialogar, ninguém quer ouvir o outro, mas sim demonstrar superioridade intelectual perante aos demais e, portanto, exaltar o meu narciso. Uma sociedade - e isso, não só o Brasil, mas o mundo inteiro também - que vive em busca de uma demonstração exacerbada de uma felicidade perene nas mídias sociais precisa estar com o seu narciso em dia. Dessa forma, as raízes de todos os flagelos sociais estão sempre no outro e nunca em mim, em comunhão com a célebre frase de Dante: "O inferno são os outros". Se o governo é corrupto, eu coloco a culpa exclusivamente nos políticos de Brasília, mas esqueço de contabilizar todas as vezes em que atravessei fora da faixa de pedestres e furei uma fila. As pequenas corrupções do povo são perdoadas por não prejudicarem o tanto que um político prejudica a sociedade ao roubar merenda ou desviar dinheiro dos cofres públicos. Mas a ética e a moral não perdoariam, de certo. De uma forma ou de outra, o ato é errado e o "jeitinho brasileiro" é condenável. Karnal, no livro, diz que não existe governo corrupto com uma sociedade honesta. De fato, precisamos reconhecer nossa parcela de culpa e é por isso que livros assim são tão importantes de serem lidos e debatidos, levados às escolas e conversas familiares. Porque apenas assim podemos entender e refletir sobre a nossa cultura, coisa que poucas pessoas fazem.
Acho muito importante saber a minha cultura e entender o que ocorre perto e longe de mim, pois a cultura é uma organização humana indispensável na formação de nós quanto seres sociais. Só olhar para todos os países e até mesmo para outros tempos históricos para perceber que a cultura é dinâmica e molda todo o comportamento da sociedade. Karnal debate também o lugar das redes sociais no ódio, que, sem dúvidas, ofereceu uma proteção - pelo anonimato - aos propagadores de ofensas e preconceito. O ódio agora pode ser expressado em conjunto (porque nada une mais as pessoas do que o ódio) e na segurança do lar. Leandro Karnal se refere ao grupo como idiotas e, assim como o conceito de Umberto Eco de "idiota da aldeia", ressalta que a coletividade via Internet dá voz e espaço para esses grupos, o que é bastante danoso para o corpo social. Eco afirma que “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”, uma fala muito sensata se formos analisar a quantidade de fake news (influenciando até em resultados de eleições) e também que quando as pessoas projetam seu ódio nas redes, eles não estão procurando argumentação, eles querem dar uma opinião tida como verdade absoluta por eles mesmos.
Por fim, eu adoro o Leandro Karnal e seu jeito de argumentar, fazendo brincadeiras e deboches. Ele é um dos pensadores contemporâneos dos quais mais gosto e pretendo ainda ler muitos livros dele, bem como assistir suas palestras. Torço muito para que ele dê alguma aula/palestra na Universidade de São Paulo (USP)!!