spoiler visualizaranne (: 23/04/2020
escolhas e suas condenações
“compreendi estar condenada a ser quietamente infeliz porque sou incapaz de reações violentas, porque as temo, prefiro ficar imóvel cultivando o rancor.”
no segundo volume da série, temos Lila e Lenu ali no começo da fase adulta, fazendo as escolhas possíveis diante do tempo e espaço que vivem. elas competem mais, principalmente pela diferença de oportunidade e investimento que as duas encontram no novo cenário.
Lenu, com seu medo de conflito, as neuras em se tornar a mãe rechaçada (ah e sem ressalvas para a mãe: ela dá o que tem, e o que ela tem acaba sendo vil contra a filha), se consome na necessidade de provar que é boa, seguir um padrão de perfeição e de alguma forma se sentir superior a Lila. coisa que nunca acontecerá, porque Lila acaba sendo a estrela do bairro, ela tem um quê de carisma, de encanto, de mistério que atrai. sua esperteza é intrínseca, não dá pra adquirir nos livros, o fascínio que ela exerce não pode ser absorvido pela convivência. e sem reconhecer e absorver seus próprios méritos, Lenu sofre. e por sofrer, se afasta e vai viver sua vida em meio aos estudos, livros e possibilidades que os diplomas podem trazer.
enquanto isso, Lila toca o terror na vizinhança. ela não pode chegar nos lugares que planejaram juntas: ela não tem os recursos necessários pra prosseguir os estudos e ampliar seus horizontes pra além do bairro. mas nem por isso, ela para, e consegue arranjar outras formas de levantar seus talentos. ela se casa com um bom partido ali no cenário delas, que acaba se tornando um imbecil violento. isso reforça ainda mais as relações de poder vistas no pós guerra: a masculinidade brutal, o domínio pelo poder do dinheiro, o silenciamento das mulheres pela dependência.
é claro que isso, no fim de contas, não é um empecilho pra Lila. ela vai descobrindo como dançar ao som dessa nova música, criando suas oportunidades aqui e ali, arrastando a amiga de volta à sua vida e se permitindo viver experiências bem arriscadas. e Lenu ali, ora apoiando, ora se mordendo de ciúmes.
essa ambiguidade as corrói. a inveja, o ressentimento pelo que lhes é negado diariamente pelas condições e escolhas em que sua juventude se desenrola, as dores das perdas, as mágoas e os afetos continuam permeando não só a relação entre elas, mas todas que as envolvem. de fato, se tem uma coisa que podemos pontuar é a riqueza com que a escrita de Elena Ferrante se desenvolve: enquanto leitores, ficamos absortos ali no meio das duas, odiando suas escolhas, aplaudindo os sucessos, sofrendo com os desafetos. o amor e o ódio resistem, mas nunca a indiferença. e esse é o mérito delas.
“Como o mar num dia sereno. Ou como o pôr do sol. Ou como o céu à noite. É maquiagem passada sobre o horror. Basta retirá-la, e ficamos sozinhos com nosso assombro.”