Charlene.Ximenes 26/02/2018
Sobre a memória de um povo
Scholastique Mukasonga, escritora tutsi, nascida em Ruanda, em 1956, conviveu desde pequena com a violência existente em seu país. Os tutsis eram perseguidos pelos africanos de etnia hutu, maioria em Ruanda, e por isso viviam confinados em uma das regiões mais áridas do país, como Bugeresa, em Nyamata. 20 anos antes do massacre de 1994 (um dos maiores genocídios do mundo, que vitimou mais de 800 mil pessoas), Scholastique foge de Ruanda. A autora perdeu 37 familiares. Atualmente, vive na Normandia, na França. A obra em questão trata de memórias interligadas a ficção.
Envolto nos mistérios africanos, o comovente "Nossa senhora do Nilo" narra uma história que se passa no Liceu Nossa Senhora do Nilo, uma escola para meninas, que fica no alto das montanhas da bacia do Congo e do Nilo, em Ruanda. O Liceu abrigava as meninas que faziam parte da elite e aplicava o sistema de cotas de maneira rigorosa, o qual limitava a 10% o número de alunas da etnia tutsi. O lugar torna-se espaço de lutas políticas e de incitações ao crime racial.
É impossível não perceber a tensão existente na sociedade ruandesa, pois as meninas crescem repetindo os preconceitos étnicos e sociais de seu país. Questões morais e perseguições opressivas são visíveis na narrativa. Uma das missões do lugar é preservar a virgindade das meninas e garantir que tenham bons casamentos.
É um livro interessante que permite, sobretudo, questionarmo-nos acerca do nosso desconhecimento no que tange a muitas das questões ligadas à história e à cultura africana. Ao final da leitura vem o desejo de pesquisar mais sobre Ruanda, esse país que tão recentemente conquistou sua independência, somente em 1962, que conviveu com muita pobreza e passou a ser conhecido mundialmente por conta de seus conflitos étnicos. "Nossa Senhora do Nilo" é uma obra que trata da história da sociedade ruandesa, em específico sobre o período do regime autoritário e etnicista da Primeira República hutu, que antecede o genocídio ruandês. Vale a leitura e é importantíssimo conhecer mais sobre a autora, que se tornou a guardiã da memória do seu povo.