Irena Wieliczka 27/03/2022
Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída?
É impossível não vivenciarmos na nossa imaginação os relatos de Christiane F, uma menina que aos 13 anos, tão jovem, entrou para o mundo das drogas e da prostituição.
Como uma pessoa que nunca vivenciou nada parecido, digo que é muito fácil culparmos a vítima. Tudo o que conheço sobre o assunto é baseado em leitura e não em experiências. Nunca imaginamos estar vivendo o que o outro está e é por isso que, por meio desse relato pessoal, é importantíssimo conhecermos os motivos, as angústias, os medos, o que o vício causa no nosso corpo e como (se é que existe uma saída) é possível sair desse inferno.
Christiane teve uma infância conturbada. Logo cedo, mudou-se do interior de para a cidade (Berlim), tendo sua vida virada de cabeça para baixo: no conjunto Gropius ninguém gostava dela; não podia brincar; não podia fazer barulho; não era feliz.
Como se não bastasse, seu pai era um bêbado que batia nela, na irmã dela e na mãe das meninas. Depois de muito aguentar, a mãe de Christiane pediu o divórcio e foi morar com as garotas na casa de um namorado.
Christiane começou numa escola nova e sua irmã foi morar com seu pai. Nessa nova fase de sua vida, com 12 anos, ela já estava começando a se desenvolver e sua maior referência era uma colega de escola, Kessi, que a introduziu ao mundo das bebidas, das drogas e do sexo.
Aos poucos, Christiane foi se afastando cada vez mais de sua família e se embrenhando cada vez mais num mundo perigoso, ávida por aceitação e pertencimento.
A mãe dela não sabia como lidar com essa fase da adolescência, apesar de desconfiar que Christiane estava em má companhia. Trabalhava muito e o pouco tempo que tinha disponível tentava equilibrar entre o namorado e a filha, mas não sabia como fazer Christiane se abrir.
Como bem pontuado no posfácio, percebemos que Christiane se envolve com as drogas porque não tem apoio, visão de futuro, acolhimento e mais importante ainda, não pertence a nenhum lugar, além de se sentir culpada e sobrecarregada pelos fracassos dos pais.
Desde cedo foi tirada do lugar que considerava seu, sendo obrigada a mudar de casa e de cidade porque seus pais queriam uma vida melhor. Entretanto, nesse novo lugar, era privada do mais importante: brincar, ser criança, ser feliz. Tinha que seguir regras rigorosas.
Logo, teve outra surpresa com o desfazimento da sua família e a separação de sua irmã. Ao morar com a mãe e o namorado da mãe, Christiane passa muito tempo sozinha, pois os adultos precisam trabalhar (e muito) para conseguirem viver.
Na nova escola também enfrenta problemas, já que não se sente acolhida e aceita. E é na escola que conhece as amizades que influenciam ela, porque apesar de não se sentir bem no ambiente escolar, consegue desenvolver amizades que percebemos serem problemáticas, mas só porque estamos fora da situação.
Ao começar a frequentar o centro de jovens e o Sound, um bar local famoso que vários de seus colegas frequentam, Christiane tem seus primeiros contatos com várias experiências novas: bebidas, haxixe, heroína, o primeiro amor, a primeira decepção amorosa, a primeira decepção com amigas, inveja, raiva, tudo isso enquanto cresce e enfrenta a turbulenta adolescência.
A mãe de Christiane confia cegamente na filha e mesmo quando suspeita de algo, se sente culpada por não ter tanto tempo para a Christiane e não quer que a filha passe pelas mesmas privações que ela teve, por isso é tão liberal e tenta agradar ao máximo a menina.
Depois de sua primeira decepção amorosa, Christiane conhece Detlef, quem viria a se tornar seu namorado, e desenvolve uma amizade e aproximação intensa, afinal, os dois se aceitam como são.
Até então ela só usava haxixe, mas por influência das amizades e todas as outras questões, começa a cheirar heroína. Detlef, que também é viciado, tenta a fodo custo proibir que Christiane injete a droga, mas um dia finalmente acontece e a partir de então é que tudo desmorona.
Como demora a ter sua primeira crise de abstinência, Christiane percebe tarde demais que virou uma viciada. Mas, quando percebe, aceita seu destino e começa a se prostituir para conseguir dinheiro para comprar droga. Nesse período, a menina foi fichada várias vezes pela polícia, mas o descaso das autoridades é imenso pois ?não vale a pena prender pequenos revendedores? e muito menos tentar fazer com que os viciados sejam acolhidos em suas tentativas de se livrarem das drogas.
Apesar de tudo, ela tem força de vontade para sair desse mundo, mas não o suficiente: sempre que passa uns dias sem se drogar, precisa de ?só mais uma picadinha? antes de se limpar novamente.
Como não encontra apoio na família, nos amigos e muito menos nos programas do governo, são inúmeras as tentativas de sair desse inferno. Entre brigas com a mãe, desapontamentos com o pai, revolta com o sistema e o mundo, Christiane se vê cada vez mais desesperada, desejando (e ao mesmo tempo não) que sua próxima picada seja a fatal.
Por ser narrado pela Christiane e por sua mãe, vemos os dois lados de uma mesma situação e é muito difícil entendermos que ocorre simultaneamente: parece que a versão da Christiane é muito cruel, enquanto a versão da mãe dela parece querer se culpar e ao mesmo tempo livrar-se da culpa.
Esse livro é um relato muito emocionante sobre a vida e sobre as relações que construímos, sobre os traumas, medos, angústias e sobre o que não sabemos sobre as drogas, sobre os vícios, sobre como o governo lidava/lida com a vulnerabilidade dos viciados e sobre como nunca parece existir luz no fim do túnel, mas existe.