Vitória 16/07/2023
Eu cheguei a um ponto em que não sei mais se gosto ou não do John Boyne como autor. Minha história com esse homem é longa e começou lá em 2014, quando li O Palácio de Inverno e me apaixonei perdidamente. Passei meses pensando naquele livro e em seus personagens, mas a leitura seguinte, que foi O Garoto no Convés, fez o nível cair um pouco. Com O Pacifista, meu primeiro romance aquiliano do autor, tudo o que eu senti depois da leitura do primeiro livro dele tomou conta de mim novamente, mas daí pra frente foi só pra trás. O Ladrão do Tempo foi um livro mediano, Uma Escada para o Céu da mesma forma, e parece que esse daqui foi a descida final da ladeira. Não sei mais o que fazer com esse homem.
Eu deveria ter percebido só pela proposta dessa obra, de ser algo na vibe de David Copperfield, que ele não era pra mim, porque eu odiei David Copperfield, mas decidi encarar só por ser do John Boyne. O início é de longe a melhor coisa que vamos encontrar aqui, principalmente o primeiro capítulo. Ainda que seja algo bem rápido, o que não faz muito o meu estilo, mas deixa a leitura mais fluida e dinâmica, a Catherine é uma personagem muito carismática, e foi fácil me apegar e começar a me importar com ela. Isso se estende ao Seán e ao Jack. Com pouquíssimas páginas, eu me importava demais com eles, torcia pra que os três conseguissem se estabelecer bem na cidade grande, fiquei entretida com o romance (ainda que ele só seja de fato revelado como romance no finalzinho do capítulo) e queria ver onde ia dar toda a questão da Catherine com o bebê. Mas o grande problema é que isso passa muito rápido. O capítulo se encerra em um cliffhanger gigantesco, que nos instiga a continuar a leitura, mas nada mais do que me foi entregue nas 536 páginas desse livro me cativou tanto quanto esse início.
O Cyril não tem sequer metade do carisma da Catherine. Nos primeiros capítulos eu ainda consegui estabelecer algum tipo de relação com o personagem, porque é impossível ver uma criança passando tudo o que ele passa nas mãos do Charles e da Maude sem que a gente sinta no mínimo pena, mas, depois que ele se torna um adolescente e mais pra frente um adulto, e começa a descontar as suas frustrações em personagens secundários dos quais eu gostava muito mais do que dele, eu só queria que esse homem se lascasse bonito. Entendo todo o apelo de termos aqui um protagonista gay trambiqueiro, que vai contra todo o estereótipo de personagens gays que a gente normalmente encontra por aí, mas eu simplesmente não conseguia engolir ele vivendo num mundinho fantasioso que só existe dentro da cabeça dele e querendo que tudo funcionasse conforme as suas vontades. O trecho em que o Cyril, no dia do seu casamento com a Alice, que é irmã do Jurdan, se declara pro Jurdan e pede pros dois fugirem juntos foi a gota d'água pra mim. Só dentro da cabeça dele que o homem iria dizer sim pra isso e achar tudo bem a própria irmã ficar abandonada no altar.
Deixando o meu ódio pelo protagonista de lado, porque as situações são inúmeras, e se eu fosse listar todas nós ficaríamos aqui até amanhã, o livro entrega o básico que eu aprendi a esperar de qualquer obra do John Boyne. A escrita é fluida, as páginas passam sem que a gente perceba, e sempre tem algo de interessante acontecendo. O fato dos capítulos se passarem sempre 7 anos após o anterior também ajuda nisso, porque sempre iniciamos um novo capítulo curiosos pra saber o que aconteceu no período em que passamos longe dos personagens. As questões sociais também são maravilhosamente bem tratadas. Ainda que estejamos falando de um personagem que eu claramente odeio, era angustiante vê-lo sofrendo preconceito por parte de pessoas homofóbicas, antes ou depois de ter saído do armário, e escutar essas mesmas pessoas dizendo que o "problema" dele não era ser gay, quando a questão pra elas era essencialmente essa. Grande parte da história se passa na Irlanda, país de origem do autor, e ele sabe bem explorar o cenário que escolheu pra sua obra. A frase "a Irlanda nunca muda" chegou a parecer real pra mim nos trechos em que o Cyril acaba saindo do país e encontrando ambientes mais progressistas, ao mesmo tempo em que era apenas uma tentativa das pessoas ao redor dele fazerem com que ele se conformasse com o país homofóbico no qual ele vivia, aceitando isso quase como se fosse uma característica do seu povo, quando não é.
Não cheguei a chorar durante a leitura, isso se torna quase impossível quando eu não consigo me apegar ao personagem principal, mas o capítulo O Paciente 741, que trata da epidemia da AIDS, foi doloroso demais. O autor é muito cru aqui, e não poupa a gente de nada. Nessa leitura eu acho que finalmente percebi que não sirvo pra livros com personagens que não me cativam. E nem falo que o Cyril deveria ser um santo pra que isso acontecesse aqui, porque só eu sei como o Tristan, personagem de O Pacifista, é um filho da put4h, e ainda assim eu favoritei aquele negócio. Na verdade, acho que se ele tivesse só um pouquinho mais de carisma e de noção de que as ações dele trazem consequências não só pra vida dele, mas também pra dos outros, tudo estaria resolvido. Depois de três leituras seguidas no nível ruim pro mediano, eu sinceramente não sei mais o que fazer a respeito do John Boyne. Talvez meu próximo livro dele seja um infantil. Afinal, o cara ficou famoso com isso, e esse lado dele eu ainda não experimentei.