Fernanda631 23/01/2023
Todas as Garotas Desaparecidas
Todas as Garotas Desaparecidas foi escrito por Megan Miranda e foi publicado em 28 de junho de 2016.
Todas as Garotas Desaparecidas é um suspense ambicioso por ser narrado em ordem cronológica reversa, ou seja, de trás para frente. Infelizmente este acaba por ser, também, seu único ponto de destaque.
A história se inicia com um gancho simples, mas intrigante: o desaparecimento de duas garotas, com dez anos de diferença entre os ocorridos. Enquanto tentamos desvendar o quebra-cabeça que explica a ligação entre o sumiço das duas, a autora nos faz encarar uma trama sobre os complicados e tóxicos relacionamentos familiares, amorosos e de amizade.
A complexidade da personalidade humana, as pequenas escolhas aparentemente inocentes que levam a tragédias complicadas e, claro, ao poder corrosivo e enlouquecedor de um segredo guardado por mais de dez anos, também são abordados.
Nicolette Farrell deixou sua cidade natal há mais de uma década sem olhar para trás. Entre a morte da mãe, o pai alcoólatra, o irmão frio e o ex-namorado problemático, ela gostaria de esquecer justamente a pessoa que não consegue tirar da sua cabeça. Há dez anos, a melhor amiga de Nic, Corinne, desapareceu sem deixar rastros. E a investigação colocou Nic, sua família e amigos sobre uma lupa.
Mas nem após desvendar todos os segredos deles a garota foi encontrada. Assim, Nic deixou a cidade e se reestabeleceu longe dali. Infelizmente, mesmo agora, formada, empregada e noiva de um cara incrível, Nic não consegue deixar o passado, e seu antigo lar, para trás.
Entretanto, agora mais do que nunca, Nic precisa voltar para a sua cidade natal. Os custos com a saúde de seu pai são exorbitantes e, para mantê-lo na casa de repouso em que está, ela e o irmão decidem vender a casa da família. Nic já sabia que mexer nos velhos objetos carregados de lembranças da sua antiga casa traria o passado a tona, contudo, é outro desaparecimento que abre suas feridas antigas.
Mais uma garota sumiu sem deixar rastros: a vizinha de Nic, uma garotinha na época em que Corinne desapareceu e que serviu de álibi para Nic e seus amigos. O mistério mexe com toda a cidade e na busca desesperada por ela, as suspeitas se voltam contra os Farrell mais uma vez. Mas, as respostas que todos procuram estão no passado e, se depender de Nic, é lá que elas continuarão.
Mesmo trazendo temas tão sombrios e complexos, a história de Todas As Garotas Desaparecidas é bastante simples. E daí vem a minha reclamação sobre o modo como Megan Miranda conduziu a trama. O livro ficou famoso por ser contado “ao contrário”, de trás para frente na ordem cronológica – justamente o detalhe que me fez querer ler a obra. Contudo, no fim, achei o recurso desnecessário, que não acrescentou nada a leitura.
A experiência seria a mesma, igualmente intrigante, se os acontecimentos de Todas As Garotas Desaparecidas tivessem sido narrados na ordem cronológica, com a diferença apenas que o grande e mais chocante momento do livro, que cronologicamente aconteceu nos primeiros dias de Nic na cidade natal, tivesse sido mantido nas últimas páginas do livro.
Gostei da história de Todas Garotas Desaparecidas justamente por sua simplicidade, que prova que um bom suspense é construído mais pela habilidade narrativa do autor do que pela trama em si. Acontecimentos corriqueiros ganham dimensões sombrias e tensas sobre o comando de Megan Miranda, que demonstra habilidade em criar o clima ótimo para um suspense.
Um livro ate cativante e intrigante, a narrativa em primeira pessoa da autora traz um arco crescente de tensão que alcança seu ápice nas últimas páginas e se encerra com um desfecho que nos deixa curiosos para saber o que aconteceu com os personagens depois que todas as páginas acabaram. A escrita da autora passa aquela sensação de que tem alguém nos observando, nos perseguindo, que nosso tempo está acabando, que é justamente o que esperamos ao ler um suspense.
Megan Miranda também demonstra grande habilidade em criar personagens, mesmo não sendo tão bons. Eles são simples, a ponto de que nos identificamos com eles, mas também complexos, de forma a nos deixar curiosos para ver se as próximas páginas revelarão se são monstros, vítimas ou algo no meio dos dois. E, conforme vai desvendando acontecimentos que levaram a tragédia (ao desaparecimento de duas mulheres), a autora também vai desvendando os personagens e suas motivações e conflitos profundos.
A trama de Megan Miranda é mais uma daquelas cuja sinopse promete muito, mas o mistério em torno das garotas desaparecidas não consegue nos envolver a ponto de despertar aquela curiosidade básica de “o que aconteceu? ”. Ambientada em uma pequena cidade dessas em que todo mundo conhece todo mundo, e onde fofocas encontram ótimas línguas e ouvidos para se propagarem, o desenvolvimento das histórias de vida que unem os personagens é interessante, mas fica nisso. A atmosfera de mistério não consegue se impor a ponto de dar o ritmo de thriller.
Os protagonistas cumprem o seu papel de me fazer querer entendê-los, de me intrigar, mas não consegui simpatizar com nenhum deles. Talvez, justamente por serem humanos demais, cheios de defeitos e escolhas erradas, que é difícil se cativar a qualquer um deles. Mas o único que me provocou raiva de verdade foi o irmão de Nic, Daniel, que senti que foi o único que foi “perdoado”, de certa forma, na história. Enquanto todos os outros, especialmente Nic, seguiam assombrados pelo que fizeram ou deixaram de fazer, o irmão dela parecia sempre de consciência limpa, e ainda julgando os outros personagens como se fosse moralmente superior a eles – coisa que não é.
O grande ponto negativo de Todas As Garotas Desaparecidas é tentar ser mais complexo do que realmente é. A autora pecou, a meu ver, em insistir em uma narrativa com cronologia invertida, o que não acrescentou mais mistério ou surpresa a trama. A história em si, na verdade, é muito simples, mas não deixa de ser única, ou de provocar reflexões interessantes sobre relacionamentos tóxicos, a complexidade da personalidade humana e o perigo de cada pequena escolha.
Megan Miranda tem a seu favor uma narrativa poderosa, que agregada de bastante tensão, consegue nos intrigar e nos prender a leitura, além de nos deixar inquietos por dentro, como só bons suspenses conseguem fazer. Todas As Garotas Desaparecidas ainda conta com um bom número de personagens complexos, mas humanos, que mesmo não nos cativando, conseguem deixar a história mais misteriosa. Apesar de não ser perfeito, o livro é uma leitura interessante, especialmente para fãs do gênero.
A leitura flui num ritmo tranquilo e a escrita da autora dá conta de sustentar tudo sem se tornar chata ou tediosa. Acredito que a maior motivação que nos leva pelas páginas do livro é descobrir como essa cronologia reversa vai se concluir. Muito mais do que descobrir qual a solução para os desaparecimentos. Mas vale destacar que justamente pelos capítulos avançarem na contramão do tempo, o livro exige uma boa dose de atenção na leitura, principalmente nos términos e fins de cada capítulo.
O desfecho é satisfatório e tudo se amarra direitinho, mas de uma forma tranquila demais. Não há surpresas e a revelação da verdade meio que passa de forma que esquecemos logo, ou seja sem deixar lembranças.