Rafael 02/11/2021
Quase memória (paterna)
Alguns livros possuem a excepcional capacidade de, além de serem bem escritos, terem um enredo deslumbrante. Quase memória está entre eles. Uma grata surpresa descobrir a potência da literatura criada por Cony. Com um texto limpo e simples, mas não desprovido de sentido e significado, Cony é um autor que merece ser lido. Não que aqui se pretenda reduzir a obra à escrita, isto é, limitá-la ao rótulo de livro muito bem escrito. Mas isso, por si só, já é um baita motivo para conhecer a produção de Cony e, em especial, Quase memória. Nunca tinha me deparado com algo tão sofisticado quanto a escrita de Cony. Ela é lúcida, certeira, sem rodeios, desprovida de frescuras e hipérboles. Um texto muito bem construído com palavras basilares. Um arroz com feijão que será digerido por toda a vida e, ainda assim, manterá seu sabor. E que sabor. Por isso, repito, leia Cony, pois, se o enredo não te conquistar (o que será difícil), a escrita, por si só, valerá a pena. Para além disso, Quase memória é um espécime da mais elegante genialidade. Rememorando acontecimentos de sua vida, especialmente daqueles que envolveram a figura paterna, Cony conta, não só parte de sua estória pessoal, mas, também, de sua família e da sociedade em que cresceu e se viu inserido. Um exercício fantástico daquilo que se pode chamar de memória, esse pequeno fragmento de vida que, por uma razão ou outra, acaba por se tornar indelével em nossa alma. Só um gênio como Cony seria capaz de fazer algo como Quase memória, já que nossas memórias, ao longo do tempo, assumem as feições mais diversas, ainda que mantenham, em certa medida, sua essência. O livro, que é quase um romance, quase uma biografia e quase qualquer coisa, se torna obrigatório para podermos compreender mais uma faceta da nossa condição humana. Ele não se limita a um arranjo de memórias dispersas sobre a vida de Cony e seu pai, mas nos convida a refletir sobre nossa própria existência, a buscarmos memórias perdidas no nosso inconsciente. Uma pena que a quase memória de Cony se concentrou na figura paterna. Seria muito interessante e prazeroso poder conhecer, além do pai, todas as memórias que o irmão, a mãe, as esposas e os amigos deixaram nele. Enfim, uma leitura imperdível.