Rodrigo 07/09/2021
O arroz nosso de cada dia
Acabo de encerrar uma linda obra da nossa literatura, um livro que conta a singela história da minha família, e da sua também, e de tantas outras pessoas.... A história de um Brasil que acorda cedo pra trabalhar, e que não tem medo de encarar a vida de peito aberto, trilhando seu futuro com seus próprios pés.
O autor apresenta a saga de uma família portuguesa, que, no início do século XX, migra para o Brasil em três - o marido José Custódio, a esposa Maria Romana e sua cunhada, Palma, a solteirona que a todos cuida como filhos. Entre as malas de viagem, o arroz jogado sobre o casal, no fim da cerimônia de casamento. Um arroz mágico, que carrega em si todas as bênçãos de amor e prosperidade dedicadas aos noivos, e que, nos momentos especiais, mesmo após anos, uma vez cozido em água quente, volta a exalar sua magia. Assim, uma simples canja vira fertilidade rejuvenescida, e um almoço de família vira um reencontro de antigos amantes e uma promessa de casamento.
Ao chegarem, se instalam numa fazenda do interior de São Paulo, cujo dono, também português, contrata o marido pra ser seu braço direito. Ali, o casal constrói sua história, com quatro filhos nascidos na fazenda, e tia Palma, que, ao longo do texto, se torna o pilar ao redor do qual a família se mantém unida.
A saga é contada em 1a pessoa pelo mais velho dos irmãos, Antônio, como se fosse um livro de memórias, mas sem seguir uma ordem cronológica rígida. Sua narrativa é leve e cheio de poesia, até nas partes mais carregadas de erotismo, e, em cada começo de capítulo, uma minúscula pitada de filosofia familiar.
Antônio, já aos 21 anos de idade (em 1941), resolve deixar fazenda para ir tentar a vida na então capital federal - Rio de Janeiro, levando apenas uma mala de roupas e a tenacidade herdada da família, e consegue um emprego na icônica Confeitaria Colombo. Após cinco anos, já chef de cozinha, resolve abrir seu próprio restaurante, e, a partir daí, uma nova geração vai surgindo, crianças nascem e crescem, adultos envelhecem e morrem e o ciclo da vida segue seu rumo... e o arroz de Palma, venerado como uma relíquia, segue abençoando a todos de dentro do relicário na parede do restaurante.
Por fim, faço apenas uma ressalva - do meio do livro pro final, o excesso de intrigas familiares e passagens filosóficas deixou a leitura um pouco arrastada. Eu que não tenho rede social pra não saber da vida dos meus parentes, acabei me sentindo um intruso nas brigas alheias, e isso drenou meu fôlego, só recuperado já perto do final.
Em resumo, um livro carregado de bons sentimentos, que vai agradar a pais, filhos, cozinheiros, imigrantes, paulistas e cariocas, fãs de Gabriel Garcia Márquez, torcedores do Vasco e amantes da literatura brasileira contemporânea em geral. E, da minha parte, estou muito grato pela indicação.