Babi Novaes (@RefracaoCultural) 15/06/2021
A descida é dolorosa e difícil, mas a subida é extremamente gratificante
"O Fundo é Apenas o Começo", do autor Neal Shusterman, publicado no Brasil pela Editora Valentina, só entrou na minha TBR por causa da MLV2021, lá em janeiro. Para leitores com interesse, já deixo avisado que o e-book está disponível gratuitamente no Kindle Unlimited. Comecei a lê-lo já naquelas duas semanas de maratona, mas quando cheguei em 20% parei a leitura. Definitivamente, não era o momento, e eu explico o porquê.
A narrativa acompanha a jornada de Caden Bosch, um adolescente que está a bordo de um navio rumo ao ponto mais remoto do planeta: a depressão marinha de Challenger Deep. Não, na verdade, Caden Bosch é um bilhante aluno do ensino médio, cujos amigos estão começando a notar seu comportamento estranho. Durante a aventura marinha, Caden é nomeado o artista da tripulação e tem a missão de documentar a viagem em desenhos. Na escola, Caden finge entrar para a equipe de corrida, mas a realidade é que passa os dias caminhando quilômetros, absorto em pensamentos. No navio, ele está em um dilema entre sua lealdade ao capitão e a tentação de se amotinar. Caden está completamente perdido e fragmentado.
Não, eu não perdi a linha de raciocínio enquanto escrevia a sinopse. Confuso, né?! Essa é sensação de ler os primeiros capítulos desse livro. Mas não porque foi mal desenvolvido, esse é exatamente o sentimento que o autor quer que você sinta. E só consegui retomar essa leitura em abril, de maneira mais tranquila e menos "corrida".
A história narrada em primeira pessoa, com capítulos rápidos, dinâmicos e, em um primeiro momento, desconexos, deixam quem lê absolutamente desorientado, sem entender o que está acontecendo. Uma hora é uma aventura marítima com personagens e situações muito estranhas, outra é um garoto muito perturbado tentando entender os pensamentos caóticos que passam por sua mente.
Por ser um YA, a primeira impressão é que esse seja aquele tipo de livro que dá para maratonar, fazer uma leitura rápida. Ledo engano. A narrativa é complexa e incômoda. Mergulha aqueles que se aventuram por suas páginas em uma sensação de desordem e anarquia. É impecável em traduzir e fazer com que as pessoas sintam exatamente aquilo que Caden sente no decorrer dessa jornada.
A obra coloca em foco a necessidade de se falar sobre saúde e doenças mentais pelo olhar de um garoto em meio à um episódio e a descoberta de sua condição. Ela também convoca a reflexão e quebra de tabus e preconceitos em relação ao tema.
Cheia de fluxos de pensamentos desconexos e bagunçados, em algum momento é possível que você sinta que a leitura está arrastada e não flui, mas posso garantir que quando a linha de raciocínio - se é que ela existe - faz sentido, a narrativa desliza. E é nesse momento que a história ganha uma perspectiva delicada, gentil e tocante.
Para ler "O Fundo é Apenas o Começo" é preciso uma combinação perfeita entre embarcar nessa jornada com o coração aberto para o que há nessas páginas e encontrar o momento certo para essa aventura. Vale ressaltar também que Neal Shusterman lançou mão de sua experiência como pai de um garoto com uma doença mental (cujos desenhos que ilustram a obra são de autoria dele, feitos durante episódios) para escrever a história. A cada momento a ideia que o título passa é reforçada: quando você chega ao fundo, ainda há lugares muito mais escuros para explorar. A descida é dolorosa e difícil, mas a subida é extremamente gratificante.
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