Eric Silva - Blog Conhecer Tudo 17/11/2017
Uma obra excepcional
Publicado pela primeira vez em 1938 pela editora José Olympio, Vidas Secas é a obra-prima do escritor alagoano Graciliano Ramos, um dos principais representantes da segunda fase modernista da nossa literatura. De caráter regionalista, o livro de Graciliano, bem como as de seus contemporâneos do regionalismo de 30, se difere enormemente do regionalismo da escola romântica do século XIX, pelo seu caráter realista e denunciativo, preocupado com as questões sociais e políticas da época no Brasil.
Um romance de pequena extensão, mas que expõe como nenhum outro o analfabetismo, a pobreza e a estrutura social e fundiária excludente pouco visíveis ao restante do país que enxerga o Nordeste apenas como a Região das Secas. Indo além da seca que dá nome ao romance esta é uma obra que fala da Vida, vidas que secam e se perdem na poeira da estrada. É, pois, uma denúncia das condições degradantes de miséria a que são submetidos os trabalhadores do campo, forçados a migrarem em busca de trabalho e melhores condições de sobrevivência.
O enredo de Vidas Secas é do mais simples, apesar de trazer em seu bojo uma reflexão profunda da vida do trabalhador sertanejo que com sua família se retiram fugidos dos efeitos da seca.
O romance é composto em grande parte por pequenos momentos cotidianos dos personagens distribuídos em pequenos capítulos marcados pela falta de linearidade – o que permite a leitura de cada um possa ser feita quase que de forma independente.
Logo no primeiro deles somos apresentados a situação lastimável da família de Fabiano que famintos e exaustos da viagem interminável caminhavam sob o sol abrasador. Neste momento, Graciliano, com sua narrativa seca e objetiva, busca ressaltar o farrapo humano no qual os cinco “viventes” se encontravam reduzidos. Tudo ali, seja na descrição dos “infelizes”, no seu caminhar arrastado em busca de alguma sombra, ou na atitude violenta de Fabiano com o filho que já não aguentava prosseguir com a caminhada, intencionalmente, o autor busca frisar o cansaço, a desgraça e o embrutecimento ao qual aquelas pessoas estavam submetidas ao longo de uma viagem fatigante e cruel pela caatinga ressequida.
Mas é após a chegada da família na fazenda abandonada, onde se instalam, que a narrativa prossegue apresentando as perspectivas, anseios e conflitos internos de cada um dos seus personagens, revelando seus dramas e conflitos pessoais à jusante da realidade de miséria, ignorância e exploração vivida pelos mesmos. Desta forma, a cada novo capitulo vamos nos aprofundando na visão que estes tinham de si, dos outros e do mundo. É, pois, nessa descrição dos pensamentos, anseios e reflexões que se encontra o valor intrínseco da obra. Narrador e personagem se fundem em uma só voz, o que chamamos de discurso indireto livre, dando vazão às frustrações, sonhos e medos que acometem aquelas pessoas simplórias e submissas aos desmandos da natureza e dos homens.
Por fim, foi gritante para mim, principalmente no primeiro capítulo, que a secura de que fala o título não está só na vida ou no período da estiagem, como também nas pessoas embrutecidas pelo sofrimento. Nos tornamos secos quando submetidos a hostilidade de um mundo opressor e indiferente ao sofrimento alheio.
Enfim, Vidas Secas é uma obra excepcional. Gosto dela pela sua crítica social pertinente pelo seu gosto pela linguagem regional, pela cadelinha Baleia, pelo menino mais velho. Vivo no sertão, e me interesso profundamente pelo Semiárido Brasileiro, pela sua estrutura político-social e por sua história marcada pela injustiça. Pela luta de milhares de Fabianos que construíram a fortuna dos latifundiários, dos coronéis. Pessoas simples, mas dignas. Que conhecem a fome, a penúria e sabem valorizar o pouco, o mínimo. Que sonham com um sertão diferente, de fartura e liberdade.
Eric Silva, resenhista do blog Conhecer Tudo
Resenha original: http://conhecertudoemais.blogspot.com/2017/11/vidas-secas-graciliano-ramos-resenha.html
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