Cathy 21/01/2021Tudo passa, tudo se apaga, menos a lembrança que nos aquece.AMOR QUE SINTO AGORA - Leila Ferreira
Desde que li A ARTE DE SER LEVE e QUE NINGUÉM NOS OUÇA, ambos de Leila Ferreira, me sinto cada vez mais próxima da autora. Queria tê-la como amiga e desfrutar de uma boa conversa regada por café forte e mineiro e sentada nas raízes da mangueira que cresce no quintal (quem leu, irá entender). Ela escreve maravilhosamente sobre a alma humana porque consegue abrir a sua própria para a escrita. Pode ser um tanto redundante, mas não há melhores ou outras palavras que descrevam as páginas que Leila desenha em nosso coração.
Ao me debruçar sobre O AMOR QUE SINTO AGORA, inicialmente, me confundi entre a autora e a personagem, visto que há trechos que realmente foram vividos por Leila (oi, amiga!) e outros que, ficciosamente, foram acrescentados à trama, tornando-a ainda mais envolvente e emocionante. Isso não acontecerá caso o leitor não tiver lido os dois livros anteriormente mencionados nesta resenha, o que pode ser bom, mas também ruim, a depender o ponto de vista. Eu particularmente gostei bastante do resultado dessa experiência. O livro tornou-se muito mais vívido para mim.
Não posso negar que determinadas partes são doloridas demais de serem diluídas na mente e na alma. O nó cresce involuntariamente no pescoço. A própria sinopse do livro revela se tratar das cartas que uma filha faz para a mãe já falecida, em resposta a uma carta que esta última deixou para ela, pouco antes de morrer. Depressão, síndrome do pânico, alegria, serenidade, beleza, compreensão e amor e desilusões familiares são temas tratados com maestria na obra.
Mas, nem só de lágrimas versam as páginas. Há muito amor como o próprio tema revela, até mais amor do que pensamos extrair dali. Não somente o amor demonstrado pela mãe, já falecida, mas a descoberta do amor próprio da personagem, do amor pela vida e tudo que ela pode nos surpreender. São presentes que veem embalados tanto em papel de presente brilhante, como em papel pardo, velho e amassado. E preciso coragem para abrir os embrulhos que nos são destinados e desfrutar de seu conteúdos ou, ao menos, aprender com eles.
Ressaca de livro? Com essa pérola com certeza terei e serei rigorosíssima na escolha da próxima obra a ser lida. Sob pena de, ao compará-la com esse livro magnífico, achá-la medíocre, mesmo que se trate de um clássico há muito reeditado. Estou, inclusive, aberta a sugestões. Caso contrário, temo que percorrerei os dedos no google à procura de novas obras da autora, quando então, adiarei essa ressaca para o final da próxima obra de Leila Ferreira a ser deliciada.
Resenha apaixonada? Sim, com certeza, mas e daí.
CITAÇÕES DE RELEVO:
- Queria aprender a só gostar ou a só temer, mas nunca consegui.
- E a depressão, que eu tinha trancado num cômodo sem janelas e dormia o sono intermitente dos inimigos ainda por vender, se soltou e veio para a sala, onde o pânico já se achava instalado. (...) Porque, quando se tem pânico e depressão, o vocabulário muda, a sintaxe se inverte e a língua que nos ligava aos outros passa a nos separar. Diante da impossibilidade da comunicação, restam duas vontades: ficar em silêncio absoluto ou gritar.
- O silêncio era o pior. Eu não sabia o que fazer com seu silêncio espessos. Não sabia como trocar nossas conversas de uma vida inteira pela mudez que fazia as tardes pesar. Que me deixava sem posição na cadeira, sem saber para onde olhar, incapaz de calcular a duração daqueles minutos que pareciam dias. Eu tinha medo interromper seu silêncio. E tinha medo que ele fosse definitivo.
- O formato casal nos integra, nos torna socialmente aceitos, faz a gente entrar nos restaurantes, nos bares e nos cinemas de cabeça erguida, e nos deixa esquecer que já fomos capazes de viver sozinhos.
- “Sua tristeza, se é que ela existe...”. Pela primeira vez me ocorre que talvez ela não exista como a imagino. Talvez tenha me acostumado tanto a sentir aquele tristeza opressiva que ainda não me dei conta de que já foi capaz de viver sem que ela dirija meus passos, ou impeça que eu caminhe.
- Tudo passa, tudo se apaga, menos a lembrança.
- Nesta última noite da viagem, penso nas possibilidades infinitas que a gente tem de juntar pedaços, colar o que está quebrado, trazer de volta à vida, refazer, recriar.